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«(…) Foi este o ambiente em que
se passaram os catorze primeiros anos da vida de Sancho, entre convulsões e
mudanças a nível da cristandade e uma plêiade de guerras ao seu redor, guerras
de conquista aos mouros, guerras contra os Leoneses, querelas eclesiásticas entre
Braga e Toledo e entre Braga e Compostela, múltiplas alianças matrimoniais e
acordos de paz entre os reis cristãos peninsulares, tão frequentes quanto
ineficientes, ultrapassados e desrespeitados ainda mal a tinta secara no
pergaminho, tudo isto junto com a sempre continuada e também sempre frustrada
tentativa de fazer reconhecer o reino pela Santa Sé.
Quando Afonso I sofre o seu infortúnio,
de Badajoz, e Sancho, na flor dos seus 14 anos, e apenas acabado de aceder à
maioridade, é chamado a assumir maiores responsabilidades, é para este mundo
que ele é chamado. É no contexto deste panorama político, instável e inseguro,
que os seus instintos e a sua decerto incipiente maturidade política serão chamados
a intervir, mesmo se nessa missão ele viesse a ser guiado pelos seus
conselheiros e por um pai que, embora inutilizado para a guerra no rescaldo de
Badajoz, continuaria muito activo e interveniente até à sua morte.
Infância e criação
Na verdade, conforme já
mencionámos, Sancho I não nascera para ser rei. Sancho foi o segundo filho varão
de Afonso Henriques, mas era sete anos mais novo que o primogénito. Tanto
quanto podemos saber, foi o quinto filho a nascer da união legítima do primeiro
rei de Portugal com Mafalda de Sabóia.
O primeiro filho, que fora logo
um varão, nascera em 1147, pouco mais de um ano depois do casamento dos pais e
chamou-se Henrique, de acordo com a tradição e decerto em honra do avô. Era
sobre ele que, em princípio, devia ter recaído a obrigação de suceder a Afonso
Henriques, ainda que nestes anos a ordem de sucessão ao trono ainda não estivesse
tão interiorizada pela linha de primogenitura masculina como mais tarde viria a
estar. Nos anos seguintes, a rainha Mafalda daria à luz, consecutivamente, três
meninas, Urraca (que nasceu provavelmente ainda em 1148), Teresa (que parece
ter nascido em 1151) e Mafalda (nascida em 1153), às quais foram dados nomes
que invocavam a mãe, a avó paterna e a tia-avó leonesa das meninas.
De
acordo com o testemunho dos Anais de D. Afonso Henriques, fonte de
finais do século XII, Sancho I nasceu numa quinta-feira, na noite da festa de
São Martinho de Tours, que cai precisamente a 11 de Novembro, e por essa razão
fora baptizado como Martinho, em honra do patrono do dia em que nascera. Não é
decerto por acaso que se descreve um assunto geralmente deixado no vago com
tanto detalhe. Como o primogénito do rei tinha atingido o limiar dos 7 anos de
idade ainda vivo e de saúde, talvez se tivesse considerado ultrapassada uma das
etapas de maior perigo de morte na primeira infância e se tivesse por isso cedido
a orientações de ordem devocional ou espiritual e dado a este segundo filho
varão o nome de um santo. São Martinho não era um santo menor, pelo contrário,
era muito importante e muito venerado, quer em Franca, onde exercera a parte
mais importante do seu apostolado e onde era mesmo um dos santos patronos do reino,
quer na Península Ibérica, onde o seu culto também estava muito disseminado, e
onde o sincretismo com um outro São Martinho, o de Braga/Dume, contribuía, e
muito, para a popularidade do culto martiniano, com especial incidência no
Noroeste da Península». In Maria João Violante Branco, Sancho I, O Filho do
Fundador, Temas e Debates, Livraria Bertrand, 2009, ISBN 978-972-759-978-3.
Cortesia de Bertrand/JDACT