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«(…) A criada veio com a candeia
e levou outra vez o distinto senhor pelo estreito e escuro corredor até à
portinhola que ele abriu lentamente, passando para o jardim. E, depois, bastou o
isolamento do sicómoro e o desejo abafado para desencadear um fogo de grandes e
fortes labaredas. As mãos em sofreguidão, as bocas unidas num beijo longo,
parecendo que nada nem ninguém poderia afastar os dois do caminho que trilhavam
com paixão e prazer incontidos. Ai, senhor! Onde me levais? E encontravam-se
nos campos de cevada onde Isabel colhia a hortelã e a erva azeitoneira. Onde a
sombra da laranjeira cobria todos os desvarios e a flor enchia o ar com o seu perfume.
Não sei, meu amor. Nem eu sei! E
encontravam-se no meio do pequeno bosque de sobreiros e azinheiras, onde o
funcho e o tomilho escondiam os seus segredos. E, depois, mais um e outro
encontro escondido e um desejo contínuo, e um roçagar de panos e fatos, a bela
capa de veludo escarlate estendida no chão, o leve tecido de seda esvoaçando
sobre a erva fresca na brisa quente do Verão. O prazer roubado à quietude do
tempo, parado na marmelada branca e no toucinho-do-céu, no esmagar das amêndoas
e no partir dos ovos. E novamente o esbofamento, a urgência e as fugas para os
arvoredos próximos e para os esconderijos que os havia com fartura por entre as
paredes do convento.
Isabel, meu deleite, meu prazer,
minha adorada dama com olhos da cor do mar e do céu! Beleza eterna! Minha razão
de viver! Manuel, nome tão doce de pronunciar, nome pelo qual me perco e me
acho, nome que me fala de amor profundo e eterno, nome pelo qual sou indigna de
pisar o chão da casa que me acolheu. Minha perdição!
A novidade não seria estranha.
Isabel ficou prenhe e, depois dos primeiros enjoos que muito afligiram por
desconhecimento da causa, a abadessa logo compreendeu o que se passava e
manteve-a fechada na sua cela, protegendo-a das murmurações das outras
mulheres. Não assistiria sequer aos ofícios. Passearia apenas nos claustros, pouco,
e, quando parisse a criança, se esta tivesse a sorte de sobreviver, entregá-la-ia
a Manuel, afinal seria seu o filho, e este mais não faria que a sua obrigação.
Ele que o criasse ou mandasse criar! Que tivessem andado os dois a ruflar, que
Deus Nosso Senhor os perdoasse ou castigasse, se assim fosse o caso. Sob a sua
autoridade e dentro do seu convento não haveria vergonhas e muito menos
crianças, a afligir e a acrescentar despesas e trabalhos que eram já volumosos».
In
Maria João Câmara, O Pecado e a Honra, Oficina do Livro, Leya, 2012, ISBN
978-989-555-830-8.
Cortesia de
OdoLivro/JDACT