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A Comunidade Judaica Medieval
«Durante a segunda metade do século
XV, ao mesmo tempo que se concretizava a ameaça da sua expulsão, os judeus
ibéricos forjaram um passado longínquo e heróico, extraído da história sagrada da
Bíblia. Na sua versão mais corrente, a lenda fazia remontar a sua genealogia aos
que se puseram a salvo fugindo da Judeia, após a conquista de Jerusalém pelo
rei Nabucodonosor, em 587 antes da nossa era.
Os humanistas cristãos e judaicos
da Renascença desdobravam-se na busca destas origens. Os primeiros israelitas teriam
chegado com a diáspora das dez tribos perdidas da Samaria, deportadas pelos
assírios em 722, ou então nos misteriosos navios de Tarshish que o rei Salomão
construiu, por volta de 900, no Mar Vermelho, ou ainda nos navios dos seus vizinhos
fenícios, que fundaram Lisboa por volta de 1200. De acordo com alguns, um neto de
Noé, a quem o Génesis chama Tubal, chegado da Arménia a seguir ao dilúvio universal,
teria acostado às margens da futura Lusitânia e fundado a cidade de Setúbal.
A esta profusão de lendas os
historiadores concedem frequentemente um vago fundamento. Mas não é menos provável
que os judeus da Antiguidade, voltados para o Mediterrâneo e, em particular, para
a sua terra de origem, só tardiamente tenham atingido a frente atlântica da Europa,
no curso de uma dispersão progressiva, cujas motivações foram descritas pelo padre
António Vieira no século XVII. Espírito lúcido, este jesuíta viu na origem da diáspora
judaica causas de natureza económico-política, mais do que uma expiação divina:
o comércio, os desterros e a estreiteza da terra própria foram as três ocasiões
principais por que os Judeus se saíam.
Na Lusitânia romana e germânica
A presença judaica na Lusitânia romana,
província criada no ano 26 antes da nossa era peio imperador Augusto, só é de
facto atestada nos confins orientais, mais exactamente na capital provincial Emerita
Augusta, a actual cidade de Mérida, situada na Estremadura espanhola. Abraão Ibn
Daud, cronista do século XII, atribuiu a fundação da comunidade judaica local a
um certo Baruch que, deportado pelos romanos depois da segunda destruição de Jerusalém,
em 70 da nossa era, se teria evidenciado na arte da tecelagem da seda.
A lenda do tecelão Baruch,
primeiro judeu lusitano, foi de certo modo confirmada pelos arqueólogos, que
chamaram a atenção para a necrópole judaica de Mérida antiga. É verdade que as inscrições
da época romana, sempre em língua latina, não trazem marcas inequívocas de pertença
religiosa e apenas autorizam hipóteses frágeis, repousando sobre a consonância judaica
de certos nomes de defuntos. Mas a existência de uma migração da Palestina para
a Lusitânia é atestada pela sepultura de um certo Justinus, que vivia no século
II em Mérida com a sua família, e nascera em Flavia Neapolis (a actual Nablus),
na Samaria. Fora da capital provincial, estelas antigas de judeus lusitanos foram
encontradas em Villamesías (perlo de Trujillo) e, há uma vintena de anos, em Mértola,
a antiga Myrtilis, no Alentejo. Essa pedra é o mais antigo testemunho da
presença judaica no actual território português». In Carsten L. Wilke, História dos
Judeus Portugueses, 2007, Edições 70, 2009, ISBN 978-972-441-578-9.
Cortesia de E70/JDACT