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Sem bases documentais, mas relacionando factos, acontecimentos e datas, julgamos
que é possível afirmar que o conde de Ourém esteve em Florença, num dos anos
mais importantes para a cidade que festejava efusivamente a conclusão da sua
bela catedral, cujo fecho da respectiva cúpula, tinha demorado tantos anos e
que alguns julgavam até ser impossível. Mesmo em frente, Afonso terá certamente
admirado a bela Loggia dei Lanzi, famoso pórtico destinado a cerimónias
públicas construído entre 1376-81 e terá passeado pela Piazza della Signoria e
entrado no Palácio Vecchio (1429-1314), com desenho de Arnolfo di Cambio. Deve
ter também visitado a residência da Potestade (ou Palácio del Bargello),
edifício cuja construção se iniciou no século XIII e cuja loggia e grande sala
datam do século XIV. E viu com quase toda a certeza, para além da Catedral que
o relato assinala, as obras de Brunelleschi, que nesta altura estavam já
edificadas em Florença: a Igreja de São Lorenço, cujos trabalhos tinham sido
iniciados em 1423, o Hospital dos Inocentes, construído em 1420 e talvez a
Capela dos Pazzi, em construção, uma vez que, iniciada em 1430 só foi concluída
em 1444. E se não conheceu o famoso arquitecto, terá talvez tido oportunidade
de contactar possivelmente com o irmão que, possivelmente elucidou Afonso sobre
as novidades arquitectónicas e estilísticas concebidas por Filippo Brunellechi.
O Conde de Ourém esteve pois em Florença num ano importantíssimo, talvez mesmo,
no preciso momento que constituiu o ponto de viragem e afirmação de uma nova
estética que acabava de nascer com a conclusão da emblemática e grande opera
da cidade, a Catedral de Santa Maria del Fiore. Pena é não termos registos mais
completos desta passagem por Florença que nos elucidariam sobre o que de facto
Afonso viu, e sobretudo, com quem contactou na capital da Toscânia.
Em Bolonha, importante cidade pontifícia, são inúmeros os edifícios
notáveis que na terceira década do século XIV já estavam construídos e que o conde
de Ourém também terá visto, tendo até entrado muito provavelmente num deles: na
praça principal situavam-se os palácios comunal, iniciado no século XIII, o
chamado do rei Enzo, do mesmo século, e o dos Notários também do século XIV-XV,
onde julgamos estava alojado o papa, e onde Afonso foi recebido. Um outro
edifício, a Mercanzia ou Loggia dos Mercadores, estava já erguido uma vez que
tinha sido concluído no final do século anterior. O edifício que albergava a
universidade (a mais antiga da Europa que no século XIII tinha já 10 000
estudantes), também deve ter sido visitado. Quanto a edifícios religiosos, para
além da catedral de S. Petrónio, podiam já ser vistas as igrejas Dei Servi
(século XIV), com uma Madona de Cimabue, a de San Stefano, constituída por um
complexo conjunto de edifícios medievais, e a de S. Domingos, onde está o
túmulo daquele santo. Em Modena, onde a comitiva esteve nove dias, Afonso terá
tido oportunidade de ver a respectiva catedral, de feição lombarda, tendo o
mesmo acontecido, certamente em Lausane. Sobre a ida a Jerusalém, não existem
quaisquer registos sobre a viagem, o itinerário e o que terá visto. De concreto
apenas temos as sumárias referências da Crónica do Condestável e a carta, a que
já fizemos referência, que notícia que em Setembro de 1437, Afonso estava em
Veneza. Fundada sobre 117 ilhas no século IX, gozando de uma
situação geográfica invejável entre o Oriente e o Ocidente que lhe possibilitou
alcançar um enorme poder económico e político, Veneza era, a mais importante
potência comercial e marítima da Europa, sendo o Adrático mar veneziano de
Corfu ao Pó, vivendo, nesta primeira metade do século XV, o seu período de
maior apogeu. Decerto que a imagem desta tão singular cidade seria bem diversa
da actual, pois muitos dos seus mais notáveis edifícios datam do século XVI,
XVII e XVIII. No entanto a Basílica de S. Marcos marcaria já a praça com o
mesmo nome, assim como o Palazzo Ducale, residência do dodge, sede do
governo, palácio de justiça e prisão, edificado no século XII, cuja feição seria
então ainda completamente medieval pois as grandes transformações que sofreu,
apesar de iniciadas no século XIII, decorreram sobretudo no século XVI. Mas o Ca´d´Oro,
o mais elegante palácio veneziano do século XV andaria em construção (concluído
em 1440, Afonso deve tê-lo visto com a imagem dourada que lhe deu nome, quando
voltou a passar por Veneza em 1452), estando já edificado o Ca´Foscari
outra notável residência quatrocentista. Quanto a edifícios religiosos
destacamos a Igreja de S. João e S. Paulo (1234-1430), a Igreja de Stª Maria
Gloriosa dei Frari, dos franciscanos e a maior de Veneza e a Igreja de S.
Zacarias, cuja imagem actual é da renascença, mas originalmente medieval
mantendo-se deste tempo o campanário do século XIII e a Igreja de S. Michele
com o seu claustro do século XIV.
Em
Jerusalém, a ida ao Santo Sepulcro seria paragem obrigatória, destino de viagem
até. Quanto ao que mais terá sido visto apenas poderemos presumir que a
passagem pelo Cairo e Damasco e outras terras lhe terá proporcionado contactos
com uma cultura que, apesar de não ser sua desconhecida, pois era muito forte a
presença muçulmana na Península Ibérica, foi naqueles locais apreciada de forma
plena e autêntica. A quarta missão diplomática do conde de Ourém
levou-o novamente a Itália. Realizada no âmbito do casamento de dona Leonor com
Frederico III, Imperador da Alemanha, a embaixada portuguesa saiu de Lisboa no
dia 25 de Novembro de 1451, por via marítima e fez a sua primeira paragem em Ceuta,
no final de Novembro. Na costa francesa, deteve-se para abastecimento na actual
Monte Carlo e em Marselha, onde parte da tripulação foi visitar a gruta de Stª
Madalena e os túmulos de Stª Marta e S. Lázaro. Em Itália as cidades que os
relatos assinalam como locais que Afonso visitou e estadeou são: Livorno/Pisa,
onde chegou no início de Fevereiro, Siena, Assis, para visitar ao túmulo de S.
Francisco e Stª Clara nos respectivos mosteiros e Roma, onde entrou no dia 8 de
Março de 1452, para assistir ao casamento e coroação dos imperadores nos dias
15 e 19 do mesmo mês, respectivamente». In Alexandre Leal Barradas, D. Afonso, 4º
conde de Ourém, Revista Medievalista, Ano 2, Nº 2, Instituto de Estudos Medievais,
FCSH-UNL, FCT, 2006, ISSN 1646-740X.
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