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Os
documentos escritos que chegaram até nós relatando estes acontecimentos não são
muito explícitos quanto à identificação de locais visitados pelo conde de
Ourém. Debruçam-se, sobretudo, sobre os actos relacionados com o enlace,
deixando para um plano quase esquecido o cenário que os enquadrou. O documento
mais extenso e que nos dá mais informações, sob este ponto de vista, é o relato
de Nicolau Lanckerman. Relativamente a Ceuta, primeira paragem da comitiva
portuguesa, na viagem que levou dona Leonor a Itália, o relato tece
considerações sobre a cidade: oh que grandes Palacios e enormes, fortes e
admiráveis construções de torres e baluartes! (...) Ceuta é uma grande cidade,
o dobro maior que Vienna no Ducado da Austria. Acrescenta que existem três
igrejas cristãs, situadas em edifícios originalmente pagãos: no maior, foi
instalada a catedral, consagrada à Virgem Maria; uma segunda, situava-se fora
dos muros maiores da cidade e era dedicada a Stª Mª da Graça, tendo nela
sido celebrado missa, pelo narrador, a que assistiu dona Leonor; na terceira
igreja cristã de Ceuta, cujo orago era S. Tiago, tinham instalado os frades
menores um convento. Quanto aos palácios é feita referência específica àquele
onde a princesa se alojou: um grande Palacio em que outr´ora habitaram o Rei
d´Africa e Annibal. Constituído por um amplo edifício e um belo jardim onde
cresciam espécies da flora local, este palácio é ainda caracterizado como tendo
parte das paredes e os pavimentos formados com admiravel belleza, de
diversas pedras polidas, de varias côres, como as paredes da Igreja de São
Marcos em Veneza e três casas de banho lindissimas e dispostas de uma maneira
admiravel e deliciosa. Foi aliás no jardim deste palácio que dona Leonor
plantou um arbusto como sinal de despedida de Portugal, que certamente sabia,
não mais voltaria a ver.
Até Itália
não é feita referência descritiva a mais nenhum local ou edifício. Já em Siena
é referida a porta da Sé e em Roma os paços de S. João de Latrão, onde ficaram
alojados os noivos e que Afonso visitou, para além da antiga Catedral de S.
Pedro, onde foram realizadas as cerimónias de casamento e unção dos
imperadores, e das igrejas de S. Paulo e S. João e outros logares sagrados
intra e extra muros da Cidade, que o narrador diz terem sido visitados pelo
marquês de Valença e respectiva comitiva. O texto de Pedro Sousa acrescenta que
o conde Afonso terá querido expressamente visitar Assis, com o objectivo de
prestar homenagem junto dos túmulos de S. Francisco e Santa Clara que estavam
nas respectivas igrejas, o que obrigou a um desvio do caminho entre Siena e
Roma, para poder fazê-lo. Não nos parece que o conde de Ourém tenha seguido
para Nápoles com o casal imperial após a coroação, mas há indicações em como se
juntou, mais tarde a dona Leonor, para a acompanhar à Alemanha, em Junho de
1452.
Poderão
colocar-se várias dúvidas: onde e quando se terá de novo juntado Afonso à
Imperatriz para seguir depois viagem com ela? Sabendo que dona Leonor chegou a
Neustat a 19 de Junho e que a comitiva portuguesa, que não a acompanhou,
embarcou para Lisboa a 25 de Julho, será que Afonso regressou de novo a Pisa,
passado pouco mais de um mês, para vir junto para Portugal? A resposta a esta
questão parece-nos afirmativa pois esta seria a única justificação para que a
comitiva portuguesa permanecesse em Itália, entre Abril e Julho de 1452,
esperando assim o regresso do seu senhor. Verdadeiramente, nenhum dos registos
escritos nos esclarece sobre o que se terá passado nestes três meses, bem como
nos tempos seguintes, pois não conseguimos encontrar a data de regresso ao
reino do 4º conde de Ourém. Mas a hipótese de Afonso ter aproveitado novamente
para viajar ganha alguma plausibilidade atendendo a que, data de 1453 a
encomenda que realizou, cujo registo o designa por Marchese di Valença,
à oficina de Lucca della Robia em Florença, de um conjunto de peças que foram
embarcadas no ano seguinte para Lisboa e que se destinavam, segundo Rafael
Moreira, à Igreja da Colegiada de Ourém que por aquele tempo andava em construção
(o
que tem sido ignorado, é que o mais antigo testemunho conhecido da exportação
dessas obras em terracota vidrada de Florença destinou-se a Portugal, e
precisamente ao conde de Ourém. Uma anotação referente ao carregamento de 7
caixas, 7 chasse di lavorj de terrachotta envetriata del Marchese di Valença, surge
ao lado de embalagens de salitre e brocado de carmesim, numa lista de bens
entregues a 28 de Maio de 1454 em Pisa a um Bernardo de Évora, a fim de serem
embarcadas para Lisboa, che lo mãdasi a Lisbona; embora sir Pope-Hennessy pense tratar-se de um medalhão
com escudo de armas, não podemos deixar de aproximar essa encomenda, que não
seria grande a julgar pelo escasso número de peças, um retábulo podia conter de
80 a 200, como os
de La
Verna , de outra recentemente revelada por Mendes Atanázio; a
de duas histórias começadas a pagar a Lucca della Robbia a 9 de Fevereiro de
1453 pelos mesmos banqueiros Cambini por conta dum Marquês que não identifica, sono
per parte di 2 storie envetriate che fa per il marchese di portoghallo,
sendo incerto se uma imagem da Virgem, Madonna Maria, mencionada a seguir tinha
o mesmo destinatário. Não temos qualquer dúvida de que este era o conde de
Ourém, já que usava o título de marquês ao conduzir para a Itália a futura
imperatriz, e que os dois dados documentais completam-se; as peças embarcadas
em Pisa em 1454 são obviamente as mesmas que ele havia encomendado ao passar
por Florença no ano anterior. Essas duas histórias, medalhões, sobreportas ou
retábulos, destinavam-se provavelmente à sua igreja de Ourém, que o terramoto
de 1755 arruinou). Aliás, aquele
autor, a este propósito, refere que Afonso passou por Florença em 1453. Terá
permanecido na Alemanha durante alguns meses e regressado de novo a Itália? Ou
teria alguém de confiança em Itália, através de quem fez as referidas
encomendas?
Os
dados que recolhemos da vida do 4º conde de Ourém apenas nos permitem
localizá-lo com toda a certeza em Portugal a 25 de Junho de 1455, quando o
pequeno João II foi jurado herdeiro. Há portanto um hiato de tempo,
razoavelmente dilatado, em que não sabemos o que terá feito Afonso. Saiu de
Portugal, em missão para Itália, no final de 1451; em Março de 1452 estava em
Roma e em Junho do mesmo ano na Alemanha; e, enquanto o casal imperial esteve
em Nápoles (partiu de Roma no final de Março e regressou a Veneza a meio de
Maio), Afonso não o acompanhou. Não sabemos quando voltou a Portugal. Mas para
quem tinha tão importantes obras em curso nos seus domínios atrevemo-nos a
adiantar que ele terá regressado logo que foi dada como terminada a missão
diplomática de que ia incumbido, Julho de 1452, pois as empresas que tinha
iniciado, obras em Ourém e Porto de Mós, necessitavam da sua presença para a
conclusão. E quanto às encomendas que se efectivaram quase um ano depois,
embarcadas para Lisboa em Maio de 1454, terá tratado delas enquanto dona Leonor
esteve em Nápoles, aproveitando assim os meses de Abril e Maio de 1452 para
estadear mais uma vez pela península itálica, talvez novamente por Florença
onde, agora sim, poderia ter tido a oportunidade de ver as escultura e
cerâmicas polícromas de Luca della Robbia aplicadas na Catedral e respectiva
sacristia (1445/1451) e na Sacristia Velha de S. Lorenzo (1443). Daqui
ter-lhe-á ficado certamente a vontade de possuir peças cerâmicas da oficina
daquele artista, embarcadas para Portugal em 1454, cuja encomenda terá sido
efectivada em 1453, possivelmente através de um encarregado de negócios que
sabemos Afonso tinha em Florença (ao regressar a Portugal, o marquês de Valença
deixara várias encomendas aos Cambini, mercadores-banqueiros florentinos
através de quem, por meio dos seus procuradores em Lisboa, Bartolomeu Di Iacopo
di Ser Vanni, Afonso recebeu, pelo menos em 1452, pagamentos para os gastos da
embaixada que chefiou; Muitas individualidades ou mercadores faziam operações
mercantis e financeiras de que necessitavam, tanto em Bruges como no levante
e na Corte de Roma através e por intermédio da companhia Cambini, bem como das
suas filiais e correspondentes)». In Alexandre Leal Barradas, D. Afonso, 4º
conde de Ourém, Revista Medievalista, Ano 2, Nº 2, Instituto de Estudos Medievais,
FCSH-UNL, FCT, 2006, ISSN 1646-740X.
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