«(…) Assim, os jovens partiram
para o seu passeio, fazendo o possível para irem cheios de animação. Podiam
fazer tudo aquilo que quisessem e, assim, claro, não havia nada para fazerem a
não ser ficarem sentados no carro a falar, fazendo um montão de críticas a
outras pessoas e entretendo-se com galantarias e namoricos tolos que, bem
vistas as coisas, até eram um aborrecimento. Se ao menos tivessem algumas ordens
estritas, que pudessem ser desobedecidas! Mas não tinham nada: para além da
recusa em levarem o recado a lady Louth, recusa que o pároco acabaria por
aprovar, pois também ele não apreciava aquela faceta da avó.
Cantaram, de um modo desconexo,
as mais recentes canções satíricas, enquanto atravessavam as aldeias sombrias.
No grande parque, veados, corças e gamos viam-se em grupos junto da estrada,
aconchegados uns aos outros, na tarde sombria, por debaixo dos carvalhos ao
lado do caminho, como se procurassem o estímulo da companhia humana. Yvette
insistiu em que parassem e saíssem para irem falar com os animais. As
raparigas, com as suas botas russas, caminharam pela erva molhada, enquanto os
veados as observavam com olhos enormes e sem medo. Um dos machos afastou-se,
num trote suave, mantendo a cabeça baixa por causa do peso dos cornos, mas a
fêmea, agitando as enormes orelhas, não se levantou de debaixo da árvore e
deixou-se ali ficar com as suas crias já meio crescidas, até ao momento em que
as raparigas quase que lhe puderam tocar. Só então se afastou, ligeira, a cauda
erguida por cima do traseiro malhado, enquanto os mais pequenos trotavam
agilmente.
São tão bonitos e elegantes!,
gritou Yvette. Quem diria que podiam deitar-se, tão aconchegados, nesta horrível
erva húmida! Bom, creio que eles têm de se deitar de vez em quando, disse
Lucille. E está relativamente seco, por debaixo da árvore. Lucille ficou a
olhar para a erva esmagada, no sítio onde os veados tinham estado deitados.
Yvette avançou e pousou a mão na relva, para a apalpar. Sim!, disse, com um ar
duvidoso. Creio que até está um pouco quente. Os veados tinham-se agrupado de
novo a alguns metros de distância e mantinham-se imóveis, na melancolia da
tarde. Lá muito em baixo, para além dos declives de ervas e árvores, para lá do
rápido rio e da sua ponte com balaustrada, via-se o enorme palácio ducal, uma
ou duas chaminés a libertarem um fumo azulado. Por detrás, erguiam-se bosques,
de um tom púrpura.
As raparigas, erguendo as golas
de peles até às orelhas, brandindo um longo ramo, ficaram ali olhando,
silenciosas, as botas russas a protegerem-nas da erva molhada. Lá em baixo estava
o enorme edifício, quadrado, agarrado ao terreno, com um tom cinzento-cremoso.
Os veados, em pequenos grupos, estavam espalhados por debaixo das árvores, ali
perto. Tudo aquilo tinha um aspecto tão parado, tão despretensioso e tão
triste! Gostaria de saber onde estará o duque, agora, disse Ella. Aqui não está,
com certeza, respondeu Lucille. Provavelmente está no estrangeiro, onde brilha
o Sol. A buzina do carro chamou-as, da estrada, e ouviu-se a voz de Leo: vamos
embora! Se querem chegar ao Head e depois a Amberdale para o chá, é melhor
metermo-nos a caminho!
Amontoaram-se
de novo no carro, com os pés gelados, e avançaram pelo parque, para lá do
silencioso pináculo da igreja, através dos grandes portões e por cima da ponte,
para a larga, húmida e pedregosa aldeia de Woodlinkin, onde corria o rio. A partir
dali e durante muito tempo, mantiveram-se na lama, na humidade e escuridão do
vale, por vezes com rocha limpa por cima deles, a água a correr ruidosamente,
de um dos lados, e rochedos íngremes ou escuras árvores, do outro. Até que,
através da escuridão das árvores suspensas sobre eles, começaram a subir e Leo
mudou de velocidade. Lentamente, o carro abriu caminho na lama
branco-acinzentada, até à aldeia de pedra de Bolehill, pendurada a meio da
encosta. Contornaram a velha cruz, com os seus degraus, que se ergue onde a
estrada se divide, passaram pelas vivendas, onde de súbito lhes surgiu um maravilhoso
cheiro a bolinhos quentes para lá delas, sempre a subir, por debaixo de árvores
pingando água e passando por declives cobertos de fetos. Finalmente, o estreito
vale tornou-se cada vez menos profundo, as árvores acabaram e os declives, de cada
lado da estrada, mostraram-se nus, cobertos por uma erva triste e com muros
baixos de pedra. Estavam a chegar ao alto do Head». In DH Lawrence, A Virgem e o
Cigano, 1926, Editora Assírio & Alvim, 1984, colecção O Imaginário, ISBN
978-972-370-164-7.
Cortesia de Assírio & Alvim/JDACT