segunda-feira, 14 de agosto de 2017

O Baile de Máscaras. Joanna Taylor. «Toda a gente gostava de Belle. Ela era genuína, bela e pura»

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«(…) Quando a porta se fecha, apercebo-me de que o meu coração bate violentamente. Estou furiosa com Kitry. Ela prometeu-me que não iria roubar roupas. Mas, na noite em que fugiu, chegou vestida com as melhores sedas, anunciando que ou usava aquilo, ou andava nua. Rose, a única outra rapariga corajosa o suficiente para fugir connosco, tinha pagado o seu próprio vestido há muito tempo. Ela considerou o roubo de Kitty com terror silencioso, lamentando claramente a sua decisão de se juntar a nós na nossa fuga. Mas tudo correu muito bem para Rose, no final. Melhor, pelo menos, do que para Kitty e para mim. Obrigando o meu corpo a acalmar, voltei para o nosso pequeno quarto. Dormi demasiado tempo e preciso de me vestir e ir trabalhar. Cuidadosamente, retiro o meu próprio vestido fino do seu esconderijo debaixo do colchão de palha.
É de linho. Mas escolhi uma cor azul-escura e o melhor pano que pude pagar. À distância, ou no escuro, pode ser confundido com seda. Mandei-o confeccionar com os primeiros ganhos da rua, numa costureira barata que compreendeu perfeitamente porque devia ser muito decotado na parte da frente, e não fez julgamentos. Estou diante do nosso espelho comprido, o primeiro utensílio do nosso mister que Kitty e eu comprámos, quando nos mudámos para este quarto. Antes mesmo de termos uma cama. Componho o vestido, alisando-o, e as saias são tão amplas que se entufam sozinhas, espalhando-se como grandes asas. Como se uma rapariga fantasmagórica se estivesse a afundar no nosso soalho despido, tentando voar para a liberdade. Meto-me no confinamento do vestido, puxando-o para cima e acomodo-me à restricção habitual que me causa. Mrs. Wilkes deu-nos lições diárias sobre como andar graciosamente, suportando o peso dos nossos grandes vestidos. Porém, embora eu tenha aprendido a caminhar bem o suficiente, nunca me senti à vontade com a sensação do tecido pesado a esmagar-me.
Aperto-o sozinha, com a grande destreza que as mulheres da rua adquirem ao fazê-lo sem o auxílio de criadas. Olhando-me ao espelho, aperto o corpete, puxando os meus seios para que apenas a sombra mais ínfima do mamilo fique visível. Foi um truque que aprendi com Kitty uma vez que nenhuma de nós tem os seios fartos das senhoras mais gordas. Nunca perdi totalmente a magreza do campo. E uma vez que Kitty e eu vivemos da mão para a boca, os meus braços e pernas tornaram-se mais finos nestes últimos meses. A minha nota de banco especial, que trago sempre comigo, é escondida lá no fundo, longe da vista. Encostada ao meu coração. Tocando-lhe com os dedos, faço a mesma promessa que fiz desde que a ganhei. Que um dia eu vou ter a minha própria independência. Examino as meias-luas dos meus seios, em seguida pego no pó e aplico-o para tornar o meu decote inevitavelmente atraente. Com o meu anúncio profissional devidamente tratado, dirijo a minha atenção para o rosto, que é provavelmente o meu melhor atributo. Foi a minha cara bonita que convenceu Mrs. Wilkes a acolher-me, quando fui levada em lágrimas e desonrada à sua porta.
Não pensem que sou pretensiosa por me considerar bonita. Mrs. Wilkes só aceita meninas que são muito bonitas, e eu não era a mais vistosa do seu harém. Rose, que fugiu comigo e com Kitty, é muito mais bonita do que eu. E Belle é por demais encantadora. No entanto, era tão boazinha que era impossível não se gostar dela. Toda a gente gostava de Belle. Ela era genuína, bela e pura. Belle foi a única que me alertou para manter a minha nota de banco especial segura, quando cheguei àquela casa. Apontou para as outras raparigas barulhentas e espalhafatosas, que eu receava ter de imitar, e disse-me para ter cuidado. Elas podem vestir-se como senhoras, sussurrara Belle, mas muitas vêm da sarjeta, e roubam tão naturalmente como respiram. Mantém as coisas que te são caras no teu espartilho. De todas as raparigas que vim a conhecer, foi de Belle que mais gostei. Mrs.Wilkes vendeu-a em segredo pouco antes de nós fugirmos e nunca descobrimos quem a comprou. Além de Rose e Belle, o meu rosto era o mais bonito naquela casa. Mais bonito do que o de Kitty, que tem um ar descaradamente sedutor. Foi-me dito que o meu semblante pode ser quase refinado no contexto certo. Mas eu não perdi os meus maneirismos do campo». In Joanna Taylor, O Baile de Máscaras, 2015, Edições ASA II, 2016, ISBN 978-989-233-518-6.

Cortesia de EASA/JDACT