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«(…) Em todo o caso, tenho traços
perfeitamente simétricos, com grandes olhos verde-acastanhados, um nariz pequeno
e direito, e uma boca generosa. A minha avó chamava-me sempre o seu pequeno duende,
por causa do meu narizinho e dos meus olhos com uma expressão marota. O meu nariz
é um pouco grande para um duende agora, mas tem a proporção exacta para o meu
rosto, e os meus olhos ainda brilham nas circunstâncias certas. Com a minha boca
larga, imagino que continuo a ter um ar um pouco travesso. Não voluptuoso como Rose,
ou perfeito como Belle. Mas atraente o suficiente para chamar a atenção. Também
tenho uma boa tez, e embora possua uma tendência para me bronzear, não contraí varíola.
Por isso, tenho uma vantagem sobre muitas senhoras finas que tiveram varíola na
infância. Especialmente à luz de velas. Reparem na Elizabeth, dizia mrs. Wilkes
enquanto aplicávamos a maquilhagem em frente às nossas cómodas. Ela não é a mais
bonita aqui. Mas os homens não se importam se uma menina é um pouco bronzeada, ou
não enche um corpete. Eles gostam de uma jovem que pareça saudável e animada, e
se mostre cooperante.
Mrs. Wilkes gostava de mim, porque,
apesar de tudo, quando eu me adaptei àquela casa, estava sempre a rir. Ela dizia
que era disso que os velhos ricos gostavam. Também tinha outras vantagens. Além
da minha cara, sou alta, o que é bom, e jovem, o que é melhor. Mas a minha figura
não tem muito mais a valorizá-la. Não engordo facilmente como algumas
raparigas. Ainda não posso dar-me ao luxo de me alimentar bem. Então aproveito ao
máximo o meu rosto, porque sempre tirei o melhor partido daquilo que tenho toda
a minha vida. E neste estranho mundo nocturno, que nunca imaginei para mim, a minha
cara é o meu maior bem. Pego na tinta para os lábios e reparo que mais uma vez está
quase a acabar. Suspiro, espalhando a menor quantidade de pigmento vermelho de que
sou capaz sobre os lábios. Uma das desvantagens de ter uma boca grande é usar muita
tinta para os lábios.
Apanho o vestido para chegar aos
sapatos, que foram feitos à mão e caros. São azul-escuros, para condizer com o vestido,
e têm um salto pequeno. Pego nas luvas de onde as tinha deixado diante do espelho.
As luvas são um hábito que todas nós aprendemos em casa de mrs. Wilkes. Ela ensinou-nos
a desprezar as pobres coitadas cuja educação não foi cuidada o suficiente para perceberem
que um par de luvas poderia dobrar o valor de uma rapariga. As minhas estão
quase rotas no meio de dois dedos e não tão limpas como deviam. Mas não me atrevo
a lavá-las, com medo de que se desfaçam completamente. Kitty e eu ficámos sem crédito
na loja de fazendas e miudezas. Alcanço o chapéu, que é de abas largas ao
estilo pastoril, um adereço em voga para afastar o sol do meu rosto. Uso o chapéu
baixo, de modo que os meus olhos possam espreitar sedutoramente, e arranjo o
cabelo para que pareça cair a partir da aba. O meu cabelo tem imensos caracóis
castanhos, que são abundantes o suficiente para que eu possa fazê-los passar por
uma peruca cara com os enfeites de cabelo certos.
Coloco o meu pente favorito, de
estanho, que é decorado com pequenas borboletas e penas, ambas azuis para combinarem
com o vestido e sapatos. Depois pego na minha bolsa, que está pendurada. Uma vez
que Kitty fugiu com os nossos principais ganhos, tenho apenas algumas pequenas moedas.
O suficiente para comprar um pouco de queijo e pão, se ficar com muita fome. Avaliando
o meu reflexo, dou um toque final aos meus seios. Depois aplico tanto pó branco
no rosto quanto é possível e uso rouge nas bochechas. Os meus olhos verde-acastanhados
brilham no espelho, como se me desafiassem a fazer algo maldoso. Esta pode ser a
noite, digo a mim mesma, tal como todas as noites. Esta pode ser a noite em que
encontro o homem certo, e tudo pode mudar». In Joanna Taylor, O Baile de
Máscaras, 2015, Edições ASA II, 2016, ISBN 978-989-233-518-6.
Cortesia de EASA/JDACT