«(…) Outra visão de Esdras fala
nas dez tribos deportadas pelos Assírios no fim do século VIII a. C.. Ao
contrário das duas tribos que, mais tarde, seriam transportadas para a
Babilónia, estas nunca conseguiram repatriar-se: encerradas por altas montanhas
e rios caudalosos, vivem longe das outras nações. Mas no fim dos séculos hão-de
aparecer milagrosamente para se incorporar no Reino do Messias. O tema das
tribos perdidas, imaginadas como prestes a submeter-se à Lei de Cristo e ajudar
o Imperador Mundial, devia ser caro a Bandarra e a Vieira. No Novo Testamento
lemos diversos textos relativos ao Anticristo, às perseguições dos últimos tempos
e ao Segundo Advento de Cristo. Os passos mais importantes ocorrem nos
Evangelhos, nas Epístolas de São Paulo e, sobretudo, no Apocalipse. De acordo
com a exegese tradicional, este livro descrevia por meio de figuras simbólicas
(as sete trombetas, os sete selos, os sete anjos, etc.) a história da Igreja,
uma história cheia de calamidades, às quais se havia de seguir o reino milenar
de Cristo na terra e, depois de um breve intervalo dominado por Satanás, o
Juízo Final.
As
profecias não canónicas
Das inúmeras profecias não
canónicas ocorrentes nos cartapácios dos sebastianistas podemos dar aqui apenas
uma pequena selecção. Em primeiro lugar, são frequentemente citados os oráculos
sibilinos, geralmente em forma de coplas castelhanas. Esses oráculos não têm
nada a ver com os vaticínios gregos que o Baixo Império nos transmitiu e parece
que são de origem ibérica. Devem ter sido forjados no fim da Idade Média, mas
os pormenores da sua origem são-me desconhecidos. Existe também um oráculo
sibilino, redigido em linguagem solta e citado em Latim ou em Português.
Segundo ele, Cassandra, a filha de Príamo, rei de Tróia, teria predito,
juntamente com Santo Isidoro (bien
étonnés de se trouver ensemble!), o seguinte: um rei novo, nos últimos tempos, na Espanha Maior,
duas vezes dado por piedade do Céu, nascendo póstumo, reinará por uma mulher,
cujo nome começará em I e acabará em L. E o dito rei virá das partes orientais.
Reinará na sua mocidade, e alimpará a Espanha dos vícios imundos, e o que não
queimar o fogo, devastará a espada. Reinará sobre a Casa de Agar [=
Sarracenos], conquistará Jerusalém,
fixará a imagem do Crucificado sobre o Santo Sepulcro, e será o maior de todos
os monarcas.
Esta profecia, citada em diversas
formas de acordo com as preferências dos tratadistas, contém elementos que parecem
talhados para a pessoa do monarca Sebastião I: duas vezes dado, nascendo
póstumo, reinando na sua mocidade, vindo das partes orientais e destruidor dos Sarracenos.
Mas António Vieira, que não reconhecia a autenticidade das palavras nascendo
póstumo, aplicou-a, em 1659, a João IV e, mais tarde, a um filho de Pedro
II. A Santo Isidoro, o famoso arcebispo de Sevilha e grande organizador da
Igreja visigótica, se atribuíam muitas profecias, que, no fim do século XV,
foram postas em verso pelo cartuxo castelhano Pedro Frias, uma fonte avidamente
explorada pelos sebastianistas. Além de ter profetizado que o Encoberto seria
duas vezes dado, o arcebispo teria predito também que ele traria em seu nome letra de hierro. Segundo os
sebastianistas, a letra de ferro era o S, inicial do vocábulo latino servus, que os Romanos costumavam
imprimir com um cunho de ferro nos rostos dos escravos. Obviamente, o profeta
tinha em mente o nome de Sebastião I.
Santo Isidoro não foi o único
eclesiástico a fornecer profecias à causa sebástica. Do apóstolo São Tomé se acharam
em Meliapor profecias que resumiam, em estilo bíblico, a derrota de Sebastião,
o domínio filipino e o triunfo final da nação lusitana. De São Metódio, bispo de
Olimpo, que morreu mártir sob Diocleciano, citava-se um texto profético,
segundo o qual um Rei, tido por morto e inútil, havia de despertar como de sono
de vinho. A frase não é de São Metódio, mas ocorre num tratado apocalíptico, redigido
por um monge sírio no fim do século VII. São Bernardo, que o patriotismo português
promovera a parente de Afonso Henriques, teria escrito a este que ao seu Reino
nunca faltariam reis naturais, salvo se pela gravidade de culpas Deus o
castigasse por algum tempo. São Francisco de Assis, numa visita (completamente
fantasiada) a Portugal, teria prometido a dona Urraca, esposa de Afonso II, que
o Reino de Portugal nunca seria unido ao Reino de Castela». In
José Van Den Basselaar, O Sebastianismo, História Sumária, Instituto Camões, Instituto
de Cultura e Língua Portuguesa, Biblioteca Breve, volume 110, Livraria
Bertrand, 1987»
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