A
Autonomista
«Tareja ou Tarásia, como também
na época era chamada, foi, do meu ponto de vista, uma das mais curiosas personalidades
da História de Portugal. Quebrou com a tradição de poder que prevalecia até
então e que o colocava apenas nas mãos dos homens, relegando para as mulheres o
papel de rainha consorte e mãe de herdeiros varões. Ao contrário, Teresa foi mãe,
mas não deixou de exercer o poder que entendeu lhe devia competir. Foi com
astúcia, determinação, inteligência e orgulho que defendeu a autonomia das
terras portuguesas durante dezasseis anos. Com efeito, e por muito que isto possa
escandalizar os historiadores, quanto mais leio sobre o nascimento da nação, mais
me convenço de que ele só foi possível devido ao projecto autonómico conjunto do
conde Henrique e de sua mulher. E entendo dever sobressair o papel desta última,
que, ao sobreviver ao marido, continuou a sua obra quer no plano estratégico, quer
no plano territorial. Será a busca da emancipação e da liberdade, conduzida por
dona Teresa, que irá permitir a Afonso Henriques passar ao estádio seguinte e transformar
a autonomia em independência.
Apesar de algumas visões
negativas, transmitidas sobretudo pelas crónicas escritas em defesa do filho, Afonso
Henriques, e da criação do Reino de Portugal, a maioria dos historiadores é unânime
na sua admiração pela actuação da condessa. Ela é, aliás, e para azar nosso, uma
das personagens menos estudadas da História de Portugal, o que, creio, se deverá
ao facto de se tratar de um tempo em que a documentação é escassa e a que
existe se torna, a muitos títulos, contraditória. Admite-se que tenha nascido por
volta de1075, embora haja quem alegue que tal possa ter acontecido cerca de 1071,
como é o caso de Fonseca Benevides. Porém, os autores mais recentes defendem o ano
de 1081. Opto pela última data por me parecer a mais conforme com
acontecimentos posteriores, nomeadamente o seu casamento. Ignora-se, igualmente,
o local em que terá vindo ao mundo. A alvorada da nossa nação está envolta em mistério
e, desculpem-me a expressão, numa enorme confusão. Os seus pais foram Afonso VI
de Castela e a asturiana Ximena Nunes Gusmão Moniz, uma mui nobre senhora por quem
o rei se apaixonou. Há quem argumente que, nessa altura, o rei já estaria viúvo.
Porém, outros autores acreditam na versão de que dona Constança Borgonha
estaria doente, mas ainda viva. E, se me permitem, inclino-me mais para a última
hipótese.
A segunda mulher de Afonso VI, consta
que terá tido cinco ou seis, foi dona Constança, e com ela começa o enredo político,
religioso e sentimental que marca o início da nossa existência como país. Onde,
aliás, figuram, além do casal, outras personagens, entre as quais se destacam o
papa, o legado romano cardeal Ricardo, um falso frade de nome Roberto e, finalmente,
os monges cluniacenses e os beneditinos de Sahagún. O papa Gregório VII terá escrito
uma carta de protesto a Afonso VI na qual lhe exige que se separe da mulher incestuosa,
e há quem defenda que se referia a Ximena, mãe de Teresa. Com efeito, naMemórla
de São Luís pode ler-se: Afonso VI foi obrigado a separar-se de dona Ximena, mãe
de dona Elvira e de dona Teresa, por uma bula do papa São Gregório VII, que vem
nos Anais de Baronio do ano 1080 e em Sandoval e em Aguirre. E diz o papa que o
matrimónio era nulo por se haver contraído sem dispensa do parentesco que havia
entre a actual e a precedente mulher de Afonso. No entanto, a maioria dos historiadores
garante que a cólera do pontífice se destinava a Constança, que era parente em quarto
grau da primeira mulher do rei, de seu nome Inês de Aquitânia». In
Helena S. Cabral, As Nove Magníficas, 2008, Clube do Autor, 2017, ISBN
978-989-724-330-1.
Cortesia de CdoAutor/JDACT