quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Origens no 31. As Nove Magníficas. Helena S. Cabral. «Apesar de algumas visões negativas, transmitidas sobretudo pelas crónicas escritas em defesa do filho, Afonso Henriques, e da criação do Reino de Portugal…»

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A Autonomista
«Tareja ou Tarásia, como também na época era chamada, foi, do meu ponto de vista, uma das mais curiosas personalidades da História de Portugal. Quebrou com a tradição de poder que prevalecia até então e que o colocava apenas nas mãos dos homens, relegando para as mulheres o papel de rainha consorte e mãe de herdeiros varões. Ao contrário, Teresa foi mãe, mas não deixou de exercer o poder que entendeu lhe devia competir. Foi com astúcia, determinação, inteligência e orgulho que defendeu a autonomia das terras portuguesas durante dezasseis anos. Com efeito, e por muito que isto possa escandalizar os historiadores, quanto mais leio sobre o nascimento da nação, mais me convenço de que ele só foi possível devido ao projecto autonómico conjunto do conde Henrique e de sua mulher. E entendo dever sobressair o papel desta última, que, ao sobreviver ao marido, continuou a sua obra quer no plano estratégico, quer no plano territorial. Será a busca da emancipação e da liberdade, conduzida por dona Teresa, que irá permitir a Afonso Henriques passar ao estádio seguinte e transformar a autonomia em independência.
Apesar de algumas visões negativas, transmitidas sobretudo pelas crónicas escritas em defesa do filho, Afonso Henriques, e da criação do Reino de Portugal, a maioria dos historiadores é unânime na sua admiração pela actuação da condessa. Ela é, aliás, e para azar nosso, uma das personagens menos estudadas da História de Portugal, o que, creio, se deverá ao facto de se tratar de um tempo em que a documentação é escassa e a que existe se torna, a muitos títulos, contraditória. Admite-se que tenha nascido por volta de1075, embora haja quem alegue que tal possa ter acontecido cerca de 1071, como é o caso de Fonseca Benevides. Porém, os autores mais recentes defendem o ano de 1081. Opto pela última data por me parecer a mais conforme com acontecimentos posteriores, nomeadamente o seu casamento. Ignora-se, igualmente, o local em que terá vindo ao mundo. A alvorada da nossa nação está envolta em mistério e, desculpem-me a expressão, numa enorme confusão. Os seus pais foram Afonso VI de Castela e a asturiana Ximena Nunes Gusmão Moniz, uma mui nobre senhora por quem o rei se apaixonou. Há quem argumente que, nessa altura, o rei já estaria viúvo. Porém, outros autores acreditam na versão de que dona Constança Borgonha estaria doente, mas ainda viva. E, se me permitem, inclino-me mais para a última hipótese.
A segunda mulher de Afonso VI, consta que terá tido cinco ou seis, foi dona Constança, e com ela começa o enredo político, religioso e sentimental que marca o início da nossa existência como país. Onde, aliás, figuram, além do casal, outras personagens, entre as quais se destacam o papa, o legado romano cardeal Ricardo, um falso frade de nome Roberto e, finalmente, os monges cluniacenses e os beneditinos de Sahagún. O papa Gregório VII terá escrito uma carta de protesto a Afonso VI na qual lhe exige que se separe da mulher incestuosa, e há quem defenda que se referia a Ximena, mãe de Teresa. Com efeito, naMemórla de São Luís pode ler-se: Afonso VI foi obrigado a separar-se de dona Ximena, mãe de dona Elvira e de dona Teresa, por uma bula do papa São Gregório VII, que vem nos Anais de Baronio do ano 1080 e em Sandoval e em Aguirre. E diz o papa que o matrimónio era nulo por se haver contraído sem dispensa do parentesco que havia entre a actual e a precedente mulher de Afonso. No entanto, a maioria dos historiadores garante que a cólera do pontífice se destinava a Constança, que era parente em quarto grau da primeira mulher do rei, de seu nome Inês de Aquitânia». In Helena S. Cabral, As Nove Magníficas, 2008, Clube do Autor, 2017, ISBN 978-989-724-330-1.

Cortesia de CdoAutor/JDACT