«(…) Oh, obrigado!, disse Yvette,
parecendo acordar da sua irritada distracção. Depois, com o mesmo ar de vaga despreocupação,
serviu-se do bolo da tia Cissie, acrescentando: se tem a certeza que não o
quer... No seu prato, tinha agora dois bolos. Lucille ficou branca como um
fantasma e debruçou-se sobre o chá. A tia Cissie permaneceu imóvel, com um
olhar esverdeado de envenenada resignação. O constrangimento estava a
desaparecer. Mas a avó, sem perceber o que se passava, disse apenas, no meio do
ciclone: se vão amanhã de carro até Bonsaíl Head, então quero, Lucille, que
leves um recado meu a lady Louth. Oh!, exclamou Lucille, lançando um olhar
embaraçado para o outro lado da mesa, para a velha cega. Lady Louth era a coroa
de louros da família, que a avó invariavelmente puxava à conversa para
benefício das visitas. Muito bem!
Ela foi muito simpática a semana
passada. Enviou-me o seu motorista com um livro de palavras cruzadas para mim. Mas
tu agradeceste nessa altura!, exclamou Yvette. Gostava de lhe enviar um
bilhete. Podes mandá-lo pelo correio, gritou Lucille. Oh, não! Gostava que
fosses tu a levá-lo. Quando a lady Louth telefonou da última vez... Os jovens
sentados, imóveis, como um cardume de peixes abrindo e fechando a boca
silenciosamente à superfície da água, enquanto a avó continuava a sua conversa
a respeito de lady Louth. A tia Cissie, as duas raparigas sabiam-no bem, estava
ainda desamparada, quase inconsciente, num paroxismo de raiva por causa do
bolo. Talvez, coitada, estivesse a rezar. Foi um alívio quando os amigos se
foram embora, mas nessa altura já as duas raparigas tinham os olhos encovados.
Foi então que Yvette, olhando em volta, viu a inflexível, implacável fome de poder
na velha e aparentemente maternal avó ali sentada, protuberante, na sua
cadeira, impassível, a velha face avermelhada e oscilante, bastante manchada,
quase inconsciente, mas implacável, o rosto como uma máscara que ocultava algo
frio, inexorável. Era a inércia estática do seu repugnante poder; no entanto,
daí a um minuto abriria a sua boca antiga para investigar todos os detalhes a
respeito de Leo Wetherell.
De momento estava a hibernar na
sua velhice e senectude, mas dentro de um minuto a sua boca abrir-se-ia, a sua
mente tremularia acordada e com a sua insaciável voracidade pela vida, a vida
de outras pessoas, começaria o inquérito em busca de todos os detalhes. Era
como um velho sapo que Yvette observara, fascinada, instalado na borda da
colmeia, mesmo em frente do pequeno orifício por onde entravam e saíam as
abelhas. O sapo, com um movimento diabolicamente rápido, como um relâmpago, apanhava
com as suas mandíbulas enrugadas todas as abelhas que deixavam o cortiço e
engolia-as, uma a uma, como se fosse capaz de consumir todo o enxame dentro do
seu corpo velho, protuberante, como um saco cheio de pregas. Engolira abelhas, quando
elas mergulhavam no ar primaveril, ano após ano, durante gerações. Mas o
jardineiro, que Yvette chamou, ficou raivoso e matou a criatura com uma pedra. Eles
são bons para comer as minhocas, disse ele, enquanto fazia a pedra descer. Mas
este acabará por engolir toda a colmeia, se o deixarmos.
O dia seguinte apareceu nublado e
feio e as estradas estavam péssimas, pois havia semanas que chovia, mas, no
entanto, os jovens partiram para a sua viagem, sem levarem consigo o recado da
avó. Escaparam-se enquanto ela fazia a sua lenta caminhada para o andar de
cima, depois do almoço. Por nada deste mundo teriam ido bater à porta da casa
de lady Louth. Essa viúva de um médico que recebera o título de Sir, uma pessoa
na verdade inofensiva, transformara-se numa das coisas detestáveis na vida de
Yvette e Lucille. Seis jovens rebeldes instalaram-se no carro, com ares muito insolentes,
e seguiram, patinhando na lama. No entanto, tinham também um ar macilento,
pois, no fim de contas, não havia nada contra que se pudessem revoltar, nenhum
deles. Tinham-lhes dado tanta liberdade nos seus movimentos, os pais permitiam-lhes
que fizessem praticamente tudo o que quisessem.
Não
havia grilhões para partir, nem grades de prisão para limar, nem ferrolhos para
rebentar. As chaves das suas vidas encontravam-se nas suas próprias mãos e aí
balouçavam, inertes. É muito mais fácil limar as grades de uma prisão do que abrir
desconhecidas portas para a vida, como as gerações jovens acabam por descobrir,
com um certo desgosto. É verdade, tinham a avó. Mas à pobre e velha avó, quem é
que lhe podia ir dizer: deite-se e morra, velha! Podia tratar-se de uma velha
aborrecida, de um estorvo, mas ela na verdade nunca fazia nada. Não era justo
odiá-la». In DH Lawrence, A Virgem e o Cigano, 1926, Editora Assírio & Alvim,
1984, colecção O Imaginário, ISBN
978-972-370-164-7.
Cortesia de Assírio & Alvim/JDACT