Urbanismo: o Contexto Europeu
«(…) A produção
artística em Portugal no século XVIII não foi acompanhada por produção teórica.
Aliás não existia ensino institucionalizado, e os artistas eram encarados como
praticantes de um ofício como qualquer outro. Os arquitectos mereciam algum
reconhecimento, mas porque estavam geralmente integrados nos quadros militares.
A experiência da Academia de Roma, fundada em 1720, por João V, não serviu para
inverter este cenário uma vez que o ensino estava nas mãos de artistas bastante
secundários. Foi encerrada em 1728 (segundo Ayres Carvalho) ou 1760 (segundo J.
A. França), por conflitos com a Santa Sé. Em finais do século, o clima
artístico é confuso. Tudo está em aberto, tudo é discutível e tudo é discutido.
Há uma ruptura dos códigos vigentes e, sem a sua substituição, por falta de uma
dinâmica na teorização, está aberto o caminho às mais variadas experiências. O século XVIII é uma época de intensiva
internacionalização, dispersão e regionalização dos estilos e soluções arquitectónicas
de que o classicismo passa então a surgir como apenas mais uma proposta. A esfera
do que era legítimo em arquitectura alarga-se incomensuravelmente: às
influências regionais e mundiais do ponto de vista geográfico, ao romano, ao gótico
e às arquitecturas primitivas e orientais no que respeita à cronologia.
Dá-se uma fundamental
alteração no panorama da produção arquitectónica: os velhos mestres da Aula do Risco
(Manuel Maia, Eugénio Santos, Reinaldo Manuel) já não vivem. Tal facto propicia
um certo esquecimento das antigas matrizes e abre espaço para a emergência de
arquitectos com uma formação fundamentalmente diferente, muitas vezes adquirida
no estrangeiro, e aos próprios estrangeiros. É nesse ambiente que o barroco,
tardiamente, desaparece e surge como gosto oficial o neoclassicismo. Este
estende-se a todo o país e tem grande força sobretudo no Norte e na sua capital,
sob nítida influência do neo-palladianismo inglês. Podem citar-se algumas obras
significativas do neoclássico da Invicta como a Cadeia da Relação (1765-1796),
o Hospital de Santo António (1770), o Palácio da Bolsa (1839) e a Igreja e
Confraria da Santíssima Trindade (1848). Outro exemplo também no Norte é a Casa
de Câmara da Póvoa do Varzim, cuja arcaria foi traçada por Reinaldo Oudinot.
Este ambiente não é
exclusivo de Portugal. Em Itália, país com forte influência por cá, ao apogeu
do barroco segue-se um período muito complexo, de influências variadas e
correntes mais ou menos assumidas. A
cultura arquitectónica torna-se ecléctica no sentido em que existe uma
versatilidade de escolhas e de opções, uma procura das tradições, quer elas
sejam académicas e clássicas, quer sejam barrocas, originando, ao mesmo tempo,
um Barroco tardio de feição clássica, o Rococó ou mesmo os sistemas inovadores
que terminarão no Neoclassicismo mais próximo de meados de setecentos.
Homens contemporâneos vão ensaiando experiências diversas: Carlo Fontana
(1638-1714) ligado ao classicismo académico, Juvara (1678-1736) também
assumindo a mesma tendência, mas de uma forma menos ortodoxa ou Vittone, adepto
do Rococó, são alguns exemplos. Voltando a Portugal, em Coimbra também a
reforma pombalina da Universidade de Coimbra deixou na cidade a marca do recém-introduzido
neo-classicismo, desta feita de feição pombalina. Dois edifícios emblemáticos
são o Laboratório Chimico e o Museu de História Natural (1779). Os projectos
ficaram a cargo de Guilherme Elden, militar inglês ao serviço do exército
português. O Museu apresenta uma fachada em três corpos, com o corpo central encimado
por frontão triangular e entrada por arcaria tripla.
Embora o neoclássico já
se mostrasse de forma tímida e isolada, em alguns pormenores da obra de Carlos
Mardel ou na Capela de São Roque, ainda no reinado de João V, apenas na segunda
metade do século se torna uma opção. Em Lisboa, um dos principais nomes ligados
ao neoclássico é o já referido José Costa Silva (nascido em 1747), autor da
ópera de São Carlos (1793), do projecto do Erário Régio e colaborador no plano
para o Palácio da Ajuda. Outra referência incontornável é Fabri, que também
trabalhou no citado Palácio da Ajuda (1802), e realizou o Hospital da Marinha
de Santa Clara e, fora de Lisboa, a Igreja matriz de Tavira. Na esfera da
corte, o neoclassicismo assume-se na obra de maior vulto nesse final de século,
o Palácio da Ajuda, cuja construção, iniciada em 1797 nunca terminou de
facto, ficando o construído muito aquém do projecto original, tendo a
edificação atravessado um processo muito complexo, com avanços e recuos
sucessivos. A fachada que se tornou a principal foi a fachada nascente. Mais
uma vez um alçado estruturado em cinco partes: entrada a eixo, com arcada
tripla e dois torreões nos topos. O projecto é da autoria de Manuel Caetano Sousa
(1742-1802), mas terá sido alterado por José Costa Silva e Fabri, que o
substituíram na direcção em 1802. Outras obras que José Manuel Fernandes classifica
como neoclássicas são o Convento de Santa Clara de Vila do Conde (1777) e,
justamente, Manique do Intendente, com
sentido urbano». In Cátia Gonçalves Marques, Departamento de
Arquitectura da FCTUC, Junho de 2004.
Cortesia de FCTUC/JDACT