A intriga de Compostela 1140-1142
Tui. Maio de 1140
«(…) No dia em que Afonso VII e
Fernão Peres, vindos de Compostela, se apresentaram aos portões do Castelo de Tui,
o único neto presente era Pêro Pais, o filho mais velho de Chamoa e Paio
Soares, que tinha já treze anos e fora armado cavaleiro por Afonso Henriques,
logo após a batalha de Cerneja. Esguio e bem lançado, corajoso e vivaço, hábil e
bom combatente, qualidades que certamente herdara de seu pai, antigo alferes do
conde Henrique, Pêro Pais era o neto preferido de Gomes Nunes e viera de
propósito a Toronho visitá-lo, para grande irritação de Elvira Peres Trava, que
embirrava com aquele pivete, considerando-o um impertinente e um falso Trava,
pois tivera o topete de, anos antes, se ter revoltado contra ela.
Quando avistaram os estandartes
leoneses, avô e neto encontravam-se junto a Gualdim Pais, amigo do filho de Chamoa
e com a mesma idade que Pêro, e Gomes Nunes apenas murmurou: virgem
Santíssima... A súbita aparição de Afonso VII, ainda para mais acompanhado pelo
Trava, não era uma boa notícia. Quando Pêro Pais perguntou o que poderia querer
o imperador, Gomes Nunes não o esclareceu, pois não o quis preocupar, mas o seu
coração encheu-se de alarme, embora a postura permanecesse calma, pelo menos
até ao momento em que surgiu no pátio do castelo a sua esposa.
Roliça e anafada, já com os
cabelos cinzentos, mas ainda com muita energia, Elvira Peres Trava exibia a
disposição eufórica de uma vencedora e elevou ao alto os seus braços polpudos.
Ela cozia bem os alimentos, mas também os ódios. O irmão Fernão demorara, mas
finalmente chegara e o marido ia ser obrigado a alinhar com o rei leonês, não com
um tolo com a mania das grandezas! Chamoa perdeu!, declarou ela. Pêro Pais
olhou-a com desprezo. A avó não ia mudar, não com a idade que tinha, mas ele
confiava na mãe e sobretudo em Afonso Henriques. Se o imperador prendesse o
avô, o príncipe de Portugal lançaria a Galiza a ferro e fogo. Por isso,
esperou, tranquilo, a chegada dos notáveis visitantes.
Afonso VII, depois de desmontar e
dos habituais cumprimentos, começou por estabelecer o seu desagrado com a ausência
de Gornes Nunes em Toledo, onde era esperada a sua vassalagem, mas fê-lo de uma
forma vaga e até apressada, deixando avô e neto com a sensação nítida de que
algo mais relevante o interessava. Comamos primeiro!, estabeleceu o rei leonês.
Há décadas que o imperador conhecia a fama culinária da anfitriã de Tui, que
gabou mais uma vez, enquanto saboreava os manjares. Com javali e vieiras, pescada
e bom vinho galego, calou-se o imperador e só no final do repasto a curiosidade
o assaltou. Olhando de esguelha para Pêro Pais e Gualdim, perguntou ao primeiro:
o javali foi caçado por vós? Talvez Afonso VII quisesse elogiar o filho de Chamoa,
mas Elvira Peres Trava intrometeu-se com prontidão. Foi o meu amigo quem mo ofereceu!
O imperador não deu importância à confissão, pois não tinha pingo de interesse nas
desavenças íntimas do casal de Tui e só pensava na filha mais nova deles. E Chamoa?
Está grávida de Afonso Henriques?» In Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal,
Oficina do Livro, Casa das Letras, 2017, ISBN 978-989-741-713-9.
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