sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Assim Nasceu Portugal. Domingos Amaral. «… pois não tinha pingo de interesse nas desavenças íntimas do casal de Tui e só pensava na filha mais nova deles. E Chamoa? Está grávida de Afonso Henriques?»

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A intriga de Compostela 1140-1142
Tui. Maio de 1140
«(…) No dia em que Afonso VII e Fernão Peres, vindos de Compostela, se apresentaram aos portões do Castelo de Tui, o único neto presente era Pêro Pais, o filho mais velho de Chamoa e Paio Soares, que tinha já treze anos e fora armado cavaleiro por Afonso Henriques, logo após a batalha de Cerneja. Esguio e bem lançado, corajoso e vivaço, hábil e bom combatente, qualidades que certamente herdara de seu pai, antigo alferes do conde Henrique, Pêro Pais era o neto preferido de Gomes Nunes e viera de propósito a Toronho visitá-lo, para grande irritação de Elvira Peres Trava, que embirrava com aquele pivete, considerando-o um impertinente e um falso Trava, pois tivera o topete de, anos antes, se ter revoltado contra ela.
Quando avistaram os estandartes leoneses, avô e neto encontravam-se junto a Gualdim Pais, amigo do filho de Chamoa e com a mesma idade que Pêro, e Gomes Nunes apenas murmurou: virgem Santíssima... A súbita aparição de Afonso VII, ainda para mais acompanhado pelo Trava, não era uma boa notícia. Quando Pêro Pais perguntou o que poderia querer o imperador, Gomes Nunes não o esclareceu, pois não o quis preocupar, mas o seu coração encheu-se de alarme, embora a postura permanecesse calma, pelo menos até ao momento em que surgiu no pátio do castelo a sua esposa.
Roliça e anafada, já com os cabelos cinzentos, mas ainda com muita energia, Elvira Peres Trava exibia a disposição eufórica de uma vencedora e elevou ao alto os seus braços polpudos. Ela cozia bem os alimentos, mas também os ódios. O irmão Fernão demorara, mas finalmente chegara e o marido ia ser obrigado a alinhar com o rei leonês, não com um tolo com a mania das grandezas! Chamoa perdeu!, declarou ela. Pêro Pais olhou-a com desprezo. A avó não ia mudar, não com a idade que tinha, mas ele confiava na mãe e sobretudo em Afonso Henriques. Se o imperador prendesse o avô, o príncipe de Portugal lançaria a Galiza a ferro e fogo. Por isso, esperou, tranquilo, a chegada dos notáveis visitantes.
Afonso VII, depois de desmontar e dos habituais cumprimentos, começou por estabelecer o seu desagrado com a ausência de Gornes Nunes em Toledo, onde era esperada a sua vassalagem, mas fê-lo de uma forma vaga e até apressada, deixando avô e neto com a sensação nítida de que algo mais relevante o interessava. Comamos primeiro!, estabeleceu o rei leonês. Há décadas que o imperador conhecia a fama culinária da anfitriã de Tui, que gabou mais uma vez, enquanto saboreava os manjares. Com javali e vieiras, pescada e bom vinho galego, calou-se o imperador e só no final do repasto a curiosidade o assaltou. Olhando de esguelha para Pêro Pais e Gualdim, perguntou ao primeiro: o javali foi caçado por vós? Talvez Afonso VII quisesse elogiar o filho de Chamoa, mas Elvira Peres Trava intrometeu-se com prontidão. Foi o meu amigo quem mo ofereceu! O imperador não deu importância à confissão, pois não tinha pingo de interesse nas desavenças íntimas do casal de Tui e só pensava na filha mais nova deles. E Chamoa? Está grávida de Afonso Henriques?» In Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, Oficina do Livro, Casa das Letras, 2017, ISBN 978-989-741-713-9.

Cortesia da CasadasLetras/JDACT