Sancho II de Portugal. Fr.
António Brandão (1632)
«(…) Outro aspecto, a que recorrentemente, a historiografia portuguesa
volta, quando aborda o reinado de Sancho II, é o que diz respeito às notícias
de agravos e desmandos que o rei de Portugal, por intermédio dos seus oficiais
e validos, fazia às liberdades eclesiásticas.
Como muitas outras, também estas informações já encontram lugar na narrativa de
António Brandão. Contudo, a sua perspectiva volta-se para o facto de os desmandos
de que a Igreja se queixava serem perpetrados por elementos ligados à coroa, mas
sem conhecimento ou autorização do rei. As reacções da hierarquia eclesiástica
são abordadas e indicadas as várias bulas papais com que o clero admoestava o
rei português, procurando com isso levá-lo a tomar uma atitude mais firme sobre
os seus homens. Responde o monge de Cister com o relato de obras pias,
fundações de casas religiosas e generosas dotações fundiárias a ordens
militares, bispados e abadias, um pouco por todo o país, o que contrastava
abundantemente com as informações suspiradas pelas crónicas do passado, que
davam conta apenas da incapacidade e insensibilidade do rei para com as coisas
do clero. Por exemplo, podemos citar: mando se dê para as obras dos frades
pregadores de Santarém trezentos maravedis e se reparta com eles da minha
madeira de Lisboa e de outros lugares meus, a que lhes for necessária.
Aliás, Franciscanos e Dominicanos foram largamente apoiados e financiados por
Sancho, e Brandão não se cansa de dar exemplos dessa intensa ligação entre o
soberano e aquelas ordens. Vastas páginas tratam da questão da deposição do rei
em 1245, e como a ela recorreremos incessantemente, aqui deixamos o que nos
parecem ser as principais opiniões de fr. António Brandão: não há dúvida que
foram mui urgentes as causas que obrigaram ao Sumo Pontífice privar a el-rei
Sancho do governo do reino, e a mandar em seu lugar o infante Afonso.
Mal se pode desculpar el-rei Sancho, nem nós o queremos livrar, nem ainda
podemos, pois anda incerta no corpo do direito canónico a bula de sua deposição
em que vêem apontadas as cousas que moveram ao papa a fazer um extremo tão
grande, como foi excluir a um rei do governo e administração de seu reino.
Resume, desta
forma, o facto incontestável de que o rei foi deposto. Cita as diversas queixas
formuladas junto da Santa Sé e a inevitabilidade política dessa mesma deposição.
Curiosamente cita dois governantes de grande poder na Europa daquele tempo, e
que estarão para sempre ligados, de maneiras diferentes, à deposição do seu congénere
português. São eles, Frederico II, o imperador deposto no Concílio de Lyon, uma
semana antes de Sancho e Luís IX, rei de França, patrono de Afonso de Bolonha e
protector do papado. Voltaremos a falar deles. Lá estão, em Lyon, em plena
actividade conciliar, os prelados portugueses mais envolvidos do que nunca na
conjura para deporem o seu rei. Nomeia-os a todos: João, o arcebispo de Braga,
Pedro, o bispo do Porto, Tibúrcio, bispo de Coimbra e junta-lhes laicos. Estes
são nobres e vêem de Portugal, supostamente como embaixadores nomeados pelo
rei, atitude que Brandão considera cínica. São eles Rui Gomes de Briteiros,
infanção e mais tarde rico-homem do rei Afonso III e Gomes Viegas
[Portocarreiro]. Importante é para Brandão o entendimento que o Bolonhês
estabelece com aqueles prelados portugueses no coração do reino francês. Em
Paris, e sob os auspícios do
rei de França, Afonso de Bolonha, jura perante diversas testemunhas e pelos Evangelhos,
o seguinte, que Brandão não resistiu em transcrever: eu, Afonso, conde
de Bolonha, filho de Afonso de ilustre memória, rei de Portugal, prometo e juro
sobre estes Santos Evangelhos de Deus, que por qualquer título que alcançar o
reino de Portugal, guardarei e farei guardar a todas as comunidades, conselhos,
cavaleiros e aos povos, aos religiosos e clero do dito reino todos os bons
costumes e foros escritos e não escritos que tiveram em tempo de meu avô e de
meu bisavô; e farei que se tirem todos os maus costumes e abusos introduzidos
por qualquer ocasião ou por qualquer pessoa, em tempo de meu pai e irmão, e
particularmente, quando se cometer homicídio, que se não leve dinheiro aos
vizinhos do morto, mormente quando é manifesto quem foi o matador…» In
José Varandas, Bonuns Rex ou Rex Inutilis, As Periferias e o Centro, Redes de
Poder no reinado de Sancho II (1223-1248), U. de Lisboa, Faculdade de Letras,
Departamento de História, Tese de Doutoramento em História Medieval, 2003.
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