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Ao iniciar o seu pontificado, o novo papa prometera uma reforma completa das
finanças papais, um assunto caro ao seu coração, e, para espanto de muitos,
estas reformas foram de imediato levadas a cabo. Depois, em 1494, Alexandre VI
emitiu uma bula papal que teve possivelmente mais efeito em todo o mundo do que
nenhuma outra, antes ou depois. Com a descoberta do Novo Mundo pela Espanha e
as navegações portuguesas a passar além dos Açores, à volta de África e
chegando ao oceano Índico, a perspectiva de um conflito entre estas duas
poderosas nações cristãs tornou-se maior do que nunca. O problema foi resolvido
pela bula de Alexandre VI, que traçou uma linha de norte para sul através do
Atlântico, 100 léguas a ocidente das ilhas de Cabo Verde. Todas as terras que
fossem descobertas a ocidente dessa linha pertenceriam a Espanha, as que fossem
descobertas a leste pertenceriam a Portugal (esta linha seria mais tarde
desviada para 370 léguas a ocidente dos Açores; embora a intenção fosse que o
Novo Mundo pertencesse a Espanha, esta nova demarcação significou que, quando o
Brasil foi descoberto, situava-se a leste da nova linha e, como tal, caberia
aos portugueses; uma herança duradoura desta alteração é o facto de no Brasil
se falar português, enquanto no resto da América do Sul o espanhol continua a
ser a língua oficial).
A intervenção de Alexandre VI nesta
disputa potencialmente desastrosa foi muito apreciada por ambas as partes,
embora talvez mais pela Espanha, país ao qual a adjudicação do papa independente
atribuía à partida a parte de leão. Como reconhecimento deste favor, o rei Fernando
de Espanha estava na disposição de ignorar o seu desprezo pelo filho do papa, Juan
Bórgia, o arrivista duque de Gândia. Fernando anunciou que estava preparado
para receber Gândia na corte e até permitiu os esponsais de Gândia com a sua prima
de sangue real María Enríquez. Mais ou menos por esta altura, Alexandre VI também
conseguiu arranjar uma noiva real de prestígio para o seu filho Jofre, que ficou
noivo de Sancia, filha ilegítima de Alfonso, filho do rei de Nápoles. O poder
imediato dos Bórgia terminaria assim que Alexandre VI deixasse de ser papa, mas
tendo os seus filhos casados com mulheres pertencentes a duas famílias reais,
era evidente que Alexandre VI alimentava ambições maiores e mais duradouras para
a família Bórgia. Com este objectivo, a crescente teia de influência do novo papa
estendia-se por toda a Itália e além dela, desde os Sforza em Milão até aos Medici
em Florença, do rei de Nápoles ao rei de Espanha.
No entanto, em 1494, os planos de
Alexandre VI desmoronaram-se, quando Ludovico Sforza convidou Carlos VIII a entrar
em Itália para reclamar o trono de Nápoles. O tosco rei francês era encarado
com horror pelos sofisticados italianos; de acordo com Guicciardini: os seus membros
tinham umas tais proporções que ele parecia mais um monstro do que um homem. Quando
o seu exército varreu tudo no seu avanço para sul, começou a perturbar o equilíbrio
precário da política italiana. Quando Pisa foi tomada, libertou-se de Florença.
No meio das convulsões, Piero de Medici fugiu de Florença, a qual sofreu a humilhação
de ser ocupada pelo exército francês. Antes de retirar o seu exército, Carlos VIII
insistiu em que a Signoria assinasse um tratado de amizade, obrigando Florença a
apoiar a causa francesa.
No
entanto, tudo isto era uma humilhação de pouca monta quando comparado com o que
haveria de se seguir. Para chegar a Nápoles, Carlos VIII e o seu exército
precisavam de atravessar território papal. Alexandre VI convocou as poucas
forças que tinha à sua disposição, muitas delas recrutadas nos exércitos das principais
famílias de Roma, como os Orsini e os Colonna. Após um apelo desesperado aos
seus aliados napolitanos, Alexandre VI recebeu mais reforços, mas estes dificilmente
foram suficientes para resistir à forte máquina de guerra francesa, com 60 000 homens,
que em breve iniciaria o seu avanço para sul». In Paul Strathern, O Artista, o
Filósofo e o Guerreiro, Da Vinci, Maquiavel e Bórgia e o Mundo que eles
Criaram, Clube do Autor, Lisboa, 2009, ISBN 978-989-724-010-2.
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