Filha de Sancho I, rainha e monja
«(…) Na realidade, logo nos começos
de Portugal como nação emancipada, embora ainda indefinida nas suas fronteiras,
principiou a corte portuguesa a ser alfobre de princesas de sangue real destinadas
especialmente ao tálamo conjugal dos vários Estados soberanos da Europa, fossem
impérios poderosos, reinos importantes ou simples condados de jurisdição própria
e autónoma. Não se cuidava de amor entre os cônjuges, celebrando-se tais matrimónios
sob o objectivo supremo de razões políticas. Os príncipes, eles e elas, não
eram como os restantes mortais. Não podiam dispor do coração a seu talante,
ceder a imposições sentimentais. O seu destino era o sacrifício dos afectos mais
íntimos às conveniências da coroa. Mas, apesar dos casamentos marcados pela
desigualdade de temperamentos, de educações, de princípios religiosos até, não
raramente os nubentes alcançavam senão a felicidade pelo menos a tranquilidade de
espírito. Desde que entre eles houvesse uma permuta de respeito e de consideração.
A série de princesas portuguesas que
se sentaram como soberanas em tronos estrangeiros continuou com as filhas de Sancho
I, o herdeiro do Fundador. Dos seus onze filhos legítimos (este monarca bem mereceu
o cognome de Povoador, até pela numerosa prole que deixou!) seis pertenciam ao sexo
feminino e, destas filhas, três vieram a colocar, pelo casamento, coroas
estrangeiras na cabeça: dona Teresa, que teve Afonso IV, de Leão, por marido; dona
Mafalda, casada com Henrique I, de Castela e dona Berengária, que foi mulher de
Valdemar II, da Dinamarca.
Sancho I, rei enérgico e ardiloso,
obstinado, hábi e valente, recebera pesada herança, o ceptro real, mas não recuou
ante os encargos herdados. Bateu-se com os mouros em guerras extenuantes; combateu
o rei de Leão, e lutou bravamente contra o clero interno, opondo-se, por vezes,
ao próprio papa e zombando das interdições da Igreja. No entanto, e talvez por isso
mesmo, magnificamente auxiliado pelo astuto chanceler Julião, muito fez, no fim
de contas, pela definitiva consolidação da Pátria. Grande rei e excelente chefe
de família, mau grado os devaneios amorosos tidos com algumas filhas de algo, casos
de Maria Anes ou Maria Aires e dessa picante Maria Pais, que as crónicas celebrizaram
sob o apodo de Ribeirinha e que tão petulante história deixou de si.
De ambas, de resto, houve o nosso
segundo rei outros filhos, a engrossar a larga descendência.
Das raparigas, dona Teresa foi, provavelmente,
a de mais assinalável destino. De infanta de Portugal transformou-se em rainha de
Leão, e de rainha metamorfoseou-se mais tarde em monja, monja virtuosa que a Igreja,
quase cinco séculos depois, beatificou por bula de 23 de Dezembro de 1705,
concedendo-lhe ofício próprio, no reino, em 1724. Razões de Estado, os tais
factores que causaram a infelicidade de tanta princesa, recomendavam o
estabelecimento de alianças políticas, pelo enlace matrimonial entre os reinos
ibéricos. Era indispensável opor-se uma frente única contra as ambições expansionistas
dos sarracenos, senhores de boa parte da Hispânia, e arrojá-los, pelo Sul, para
lá do mar». In Américo Faria, Princesas Portuguesas Rainhas no Estrangeiro, 1963,
Edições Parsifal, 2013, ISBN 978-989-983-331-9.