segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Princesas Portuguesas. Rainhas no Estrangeiro. Américo Faria. «A rainha leonesa despedira-se com pena da sua corte, desse ambiente com que já estava familiarizada e onde, afinal, conhecera alguns dos seus mais venturosos dias»

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Filha de Sancho I, rainha e monja
«(…) Dentro desse alto espírito peninsular promoveu Sancho I o matrimónio de sua filha Teresa com o rei de Leão, Afonso IX (1187-1230), primo de um outro Afonso IX, que reinava em Castela. Largou a infanta para a nova pátria em que ia ser rainha, deixando com fundas saudades a corte do pai, de ambiente um tanto rude, como a maioria das cortes da idade medieval, mas onde se movia gente portuguesa, gente da sua raça, já com características diferenciadas das de outras gentes do resto do mundo. Levava comitiva brilhante de ricos-homens e infanções, açafatas, aias e pajens, e a recepção que lhe fizeram em Leão teve acentuado cunho de grande carinho e profundo respeito. Não era a corte leonesa, apesar de talvez mais faustosa do que a lusitana, de molde a fazer-lhe esquecer o saudoso quadro da alcáçova de Coimbra, a par da Sé, e os serões nas suas vastas salas abobadadas, onde se rimavam entremezes acompanhados pelas notas dolentes das cístulas e dos alaúdes, e os encantos do remansoso Mondego a deslizar-lhe aos pés, em suave murmúrio...
Nesses primeiros tempos de adaptação a novos climas sociais e diferentes costumes, só a convivência com as suas fâmulas e damas de honor, portuguesas como ela, lhe dulcificava um tanto o que considerava o seu desterro. A época era de lutas esgotantes, de dissídios quase permanentes, muitos levantados pelos grandes senhores da nobreza, sempre em latente fermentação de rebeldia e que tantas e tantas vezes complicavam a vida de uma nação e dos próprios soberanos. Leão não escapava à regra. Afonso IX, não obstante a consideração que nutria pela esposa, a quem devotava profundo afecto, procedia como todas as altas personalidades de então: ou se entregava a acidentadas correrias guerreiras impostas pelas circunstâncias ou se embrenhava por florestas e matagais, no sadio exercício da caça, ambas as actividades tão apreciadas na remota quadra de tempo.
O paço, com a sua existência tranquila e delicada, era mais adequado a mulheres e menestréis do que a guerreiros ávidos de movimento e glória... Teresa, enérgica e sensata como o pai, e senhora de firme força de vontade, acabou por bem se adaptar e exercer com a maior dignidade os seus deveres de esposa e de rainha. Respeitada por todos, ouvida com deferência pelo marido, gozando de alto prestígio no paço e no reino, não terá deixado crónica notável como soberana, mas soube ser, isso sim, figura à altura da situação. E também, ramo de boa cepa, seguindo o exemplo dos fecundos genitores, já ia na sua terceira filha, quando, em 1195, ocorreu o inesperado acontecimento que mudaria o curso do seu destino. A Igreja era ao tempo de severo rigor quanto à consanguinidade dos cônjuges.
Afonso IX e dona Teresa eram parentes em grau interdito pela religião, e só poderiam ter casado por meio de bula de dispensa emitida pelo papa. Tal não se dera, e o papa Celestino III, não perdoando o facto, anulou o casamento. Golpe doloroso para ambos, mas a que havia que obedecer como bons cristãos que eram. Acordaram os esposos na solução a dar às condições em que se encontravam. Divorciaram-se à boa paz. Teresa, separando-se doloridamente das filhas, ainda pequeninas, regressou a Portugal. Sancho I, porém, desejaria outra solução para o caso. Talvez a rebeldia à determinação papal. Tomou como afronta feita ao reino, feita à sua real pessoa, feita à própria infanta-rainha, o decretado divórcio. E a sua primeira reacção foi a de se aliar com Aragão e Castela contra Leão e Navarra.
A rainha leonesa despedira-se com pena da sua corte, desse ambiente com que já estava familiarizada e onde, afinal, conhecera alguns dos seus mais venturosos dias. As filhas ficavam-lhe ali e, com elas, o seu coração, despedaçado para sempre. A vida doméstica destroçara-se-lhe. Para a dor que a atormentava só encontraria um refugio, Deus. Só no altar poderia achar consolo e lenitivo para a sua angústia de mãe, a quem separavam violentamente dos pequeninos entes a que dera o sopro da vida, que acompanhara nos primeiros passos e a que desejaria dar educação sólida, como a sua». In Américo Faria, Princesas Portuguesas Rainhas no Estrangeiro, 1963, Edições Parsifal, 2013, ISBN 978-989-983-331-9.

Cortesia de Parsifal/JDACT