Filha de Sancho I, rainha e monja
«(…) Dentro desse alto espírito
peninsular promoveu Sancho I o matrimónio de sua filha Teresa com o rei de
Leão, Afonso IX (1187-1230), primo de um outro Afonso IX, que reinava em Castela.
Largou a infanta para a nova pátria em que ia ser rainha, deixando com fundas
saudades a corte do pai, de ambiente um tanto rude, como a maioria das cortes
da idade medieval, mas onde se movia gente portuguesa, gente da sua raça, já
com características diferenciadas das de outras gentes do resto do mundo.
Levava comitiva brilhante de ricos-homens e infanções, açafatas, aias e pajens,
e a recepção que lhe fizeram em Leão teve acentuado cunho de grande carinho e
profundo respeito. Não era a corte leonesa, apesar de talvez mais faustosa do
que a lusitana, de molde a fazer-lhe esquecer o saudoso quadro da alcáçova de
Coimbra, a par da Sé, e os serões nas suas vastas salas abobadadas, onde se
rimavam entremezes acompanhados pelas notas dolentes das cístulas e dos
alaúdes, e os encantos do remansoso Mondego a deslizar-lhe aos pés, em suave
murmúrio...
Nesses primeiros tempos de
adaptação a novos climas sociais e diferentes costumes, só a convivência com as
suas fâmulas e damas de honor, portuguesas como ela, lhe dulcificava um tanto o
que considerava o seu desterro. A época era de lutas esgotantes, de dissídios
quase permanentes, muitos levantados pelos grandes senhores da nobreza, sempre
em latente fermentação de rebeldia e que tantas e tantas vezes complicavam a vida
de uma nação e dos próprios soberanos. Leão não escapava à regra. Afonso IX,
não obstante a consideração que nutria pela esposa, a quem devotava profundo
afecto, procedia como todas as altas personalidades de então: ou se entregava a
acidentadas correrias guerreiras impostas pelas circunstâncias ou se embrenhava
por florestas e matagais, no sadio exercício da caça, ambas as actividades tão
apreciadas na remota quadra de tempo.
O paço, com a sua existência
tranquila e delicada, era mais adequado a mulheres e menestréis do que a
guerreiros ávidos de movimento e glória... Teresa, enérgica e sensata como o
pai, e senhora de firme força de vontade, acabou por bem se adaptar e exercer com
a maior dignidade os seus deveres de esposa e de rainha. Respeitada por todos,
ouvida com deferência pelo marido, gozando de alto prestígio no paço e no
reino, não terá deixado crónica notável como soberana, mas soube ser, isso sim,
figura à altura da situação. E também, ramo de boa cepa, seguindo o exemplo dos
fecundos genitores, já ia na sua terceira filha, quando, em 1195, ocorreu o
inesperado acontecimento que mudaria o curso do seu destino. A Igreja era ao
tempo de severo rigor quanto à consanguinidade dos cônjuges.
Afonso IX e dona Teresa eram parentes
em grau interdito pela religião, e só poderiam ter casado por meio de bula de dispensa
emitida pelo papa. Tal não se dera, e o papa Celestino III, não perdoando o
facto, anulou o casamento. Golpe doloroso para ambos, mas a que havia que
obedecer como bons cristãos que eram. Acordaram os esposos na solução a dar às
condições em que se encontravam. Divorciaram-se à boa paz. Teresa, separando-se
doloridamente das filhas, ainda pequeninas, regressou a Portugal. Sancho I,
porém, desejaria outra solução para o caso. Talvez a rebeldia à determinação
papal. Tomou como afronta feita ao reino, feita à sua real pessoa, feita à
própria infanta-rainha, o decretado divórcio. E a sua primeira reacção foi a de
se aliar com Aragão e Castela contra Leão e Navarra.
A rainha leonesa despedira-se com
pena da sua corte, desse ambiente com que já estava familiarizada e onde,
afinal, conhecera alguns dos seus mais venturosos dias. As filhas ficavam-lhe
ali e, com elas, o seu coração, despedaçado para sempre. A vida doméstica
destroçara-se-lhe. Para a dor que a atormentava só encontraria um refugio,
Deus. Só no altar poderia achar consolo e lenitivo para a sua angústia de mãe,
a quem separavam violentamente dos pequeninos entes a que dera o sopro da vida,
que acompanhara nos primeiros passos e a que desejaria dar educação sólida,
como a sua». In Américo Faria, Princesas Portuguesas Rainhas no Estrangeiro, 1963,
Edições Parsifal, 2013, ISBN 978-989-983-331-9.
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