«(…)
Jess afastou-se da janela. Ash não a poderia ter visto. Estava demasiado longe.
E não sabia onde ela morava. Correcção: não devia saber onde ela morava.
Sentiu-se gelar. Tinha sido ele. Tinha sido Ash e agora estava a gozar com ela.
Deus, que fazer? Ele acabara de confessar-lhe o que fizera. Radiante. Ciente de
que ela nunca conseguiria apanhá-lo. Desafiando-a a tentar. Daí a vénia. O seu
melhor estudante. Ela julgara que tinha conquistado a confiança e o respeito do
rapaz, e era assim que ele lhe retribuía.
Jess
telefonou a Brian Parker para lhe apresentar a sua demissão na segunda-feira de
manhã. Disse-lhe que estava doente; demasiado esgotada para continuar a dar
aulas. E interrompeu os protestos de Brian desligando o telefone. Depois, foi
ao médico, que confirmou que a perda de memória podia muito bem ser o efeito de
alguma droga. Tinha optado pela pílula do dia seguinte. Não lhe ocorrera fazer
o teste do VIH, ou os outros testes que a médica insistiu que fizesse; não
reparou no seu olhar preocupado enquanto a examinava. Se não sabes quem foi, Jess,
disse-lhe, com delicadeza, não podes correr riscos. As nódoas negras, a rigidez
muscular. É óbvio que não participaste nisto de livre vontade. Tens razão,
foste violada e devias ir à polícia. Neste ponto, Jess não mudara de opinião. O
resto do dia passou-o num miasma de angústia e de autocomiseração. A campainha da
porta soou pouco depois das cinco. Desta vez, abriu-a. Era Dan. Depois de
hesitar um momento, ao vê-la tão pálida, Dan avançou num passo enérgico direito
à sala de estar, instalando-se na poltrona perto da janela.
Que
conversa é essa de te demitires? Não podes? O colégio precisa de ti. Eu preciso
de ti no meu departamento. Além disso, tens de dar um trimestre à casa. Eu
expliquei a Brian que estava doente, retorquiu ela, após um breve silêncio. E
estás? Dan escrutinou-lhe o rosto. Jess encolheu os ombros. Não. Sim. Tenho os
meus motivos, Dan. Lamento desiludir-te. Olhou-o nos olhos, enfrentando-o, e
por fim desviou o olhar. Sentara-se na beira da cadeira, à frente dele, numa
posição desconfortável. Tu és a minha melhor professora de Literatura. Fizeste
maravilhas. Já és parte da equipa, Jess, disse-lhe ele, com cuidado. Não podes dizer-me
por que te queres ir embora? Semicerrou os olhos, ainda a estudá-la.
Jess
abanou a cabeça. Lamento, disse, com um arrepio de frio, apesar de o calor da
tarde lhe entrar pela janela, com o estridor distante do trânsito na High
Street. Vá lá. Eu preciso de uma razão. O que pode ter acontecido de tão terrível?
Will? Vi-o atazanar-te enquanto dançavam. Ela encolheu os ombros. Jess? Inclinando-se
para a frente, Dan estendeu o braço e pousou-lhe a mão no joelho. Jess
retraiu-se ao toque, e ele franziu o sobrolho, recostando-se na poltrona. O que
se passa? Ela abanou a cabeça. Foi Will, não foi? Fez alguma coisa que te
transtornou. Levantando-se, deu alguns passos de um lado para o outro. Ele
magoou-te? Jess abanou a cabeça. Não podia contar-lhe. Não podia contar a ninguém
o que tinha acontecido. Foi Will, não foi?, repetiu Dan. Nunca confiei naquele
sacana arrogante!» In Barbara Erskine, A Princesa Guerreira, 2008, tradução de Catarina
Almeida, Grupo Planeta, Planeta Manuscrito, Lisboa, 2009/2010, ISBN
978-989-657-113-9.
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