«(…) Porquê?, perguntou Gunther, no falar arrastado de quem
bebeu demais. Pois eu acho que eles combinam muito bem. Konrad tornou a olhar
para o irmão, que parecia de repente
ter-se curado de várias semanas de enjoos. Ela, por seu lado, começava a
sorrir-lhe tímida. E o mais velho acabou a suspirar: está bem, pronto! Assim
que a dona do bordel notou que o estrangeiro grande de cabelos compridos
acabara de protestar, tornou a adoptar uma expressão satisfeita. Juntou a mão
de Johann à da rapariguita e conduziu-os a um quarto. Konrad, que os seguia com
os olhos, desabafou: espero que corra tudo bem. E o que é que haveria de correr
mal, homem?, retorquiu Hadwig. Eles bem saberão o que têm a fazer, atalhou
Gunther. Hadwig desatou às gargalhadas, mas Konrad manteve a sua expressão
preocupada. O loiro dirigiu-se a Gunther: pelos vistos, já fizeste a tua
escolha. Oh sim. Fico-me por este colosso! Hadwig deu uma palmada nos ombros de
Konrad e sugeriu: anda ver as outras! Vamos Konrad?, perguntou Johann, depois
da ceia. Hoje não vou à cidade. Porquê? Depois de três noites de bazófia
preciso de uma pausa. Então..., terei que ir sozinho. Konrad olhou espantado
para o irmão, que inquiriu: o que foi? Já sei o caminho, não me perco. Como
queiras, por mim... Só que..., preciso de dinheiro... Konrad atirou-lhe uma
moeda e o rapazito deixou o barco de olhos radiantes e de passos leves como um
passarinho. Hadwig, que estava sentado ao lado do amigo, comentou a rir: o
pequeno agora não quer outra coisa. Não me agrada que procure sempre a mesma
rapariga. Qual é o problema? Será bom ligar-se assim a uma rameira? Ora, não
protejas tanto o teu irmãozinho. De qualquer maneira, partiremos em breve. Já
vai sendo tempo. Estes ares até me agradam, mas não devemos esquecer que a
Terra Santa nos espera. Tão depressa não chegaremos lá. Achas mesmo que vamos
participar no cerco a essa Lusbuna...,
ou Lisbona, ou lá como o raio da cidade se chama? Vamos ver o que o bispo do
Porto tem para nos dizer amanhã. O nosso comandante parece tencionar seguir
viagem, mas o inglês, esse Hervey de Glanville, está com vontade de ajudar os
portugueses.
Sim,
um dos seus prelados, Gilbert de Hastings, já travou amizade com o bispo. Mas
os seus próprios homens não estão pelos ajustes. No fim, terão que obedecer ao
comandante, tal como nós. Na manhã seguinte, o bispo do Porto fez a sua
pregação no largo da Sé, o ponto mais alto da cidade. Tratava-se de uma ocasião
solene, o prelado tinha a seu lado o arcebispo de Braga, representante máximo
da Igreja Portuguesa, os bispos de Viseu e Lamego e um fidalgo cavaleiro em
representação d'el-rei Afonso Henriques. Como o largo da Sé não era
suficientemente grande para todos os quinze mil cruzados e Pedro Pitões pregava
em latim, língua que apenas uma minoria entendia, a maioria resolveu esperar
nos barcos pelos seus prelados, que lhe transmitiriam a mensagem do bispo.
Konrad e os seus amigos pertenciam, no entanto, aos poucos mais de mil homens
que assistiam à pregação, pois Johann
não tinha dificuldades em traduzi-la. O bispo chama a atenção para as
obrigações dos bons cristãos declarou o rapaz. Diz que devemos colocar o
serviço de Deus e da Cristandade à frente dos nossos desejos materiais.
Portugal não é um reino rico, gasta muito na guerra contra os infiéis. Isto não
começa nada bem, comentou Hadwig. Estarão eles à espera que os ajudemos por
nada?
Ele
pede-nos que não estejamos ansiosos por prosseguir viagem, continuou Johann. Diz
que o combate aos hereges aqui nesta terra é tão importante e tem tanto efeito
sobre os nossos pecados quanto os combates na Terra Santa. Os outros olharam-se
desconfiados e Konrad acabou por sussurrar: em Speyer, Bernardo de Claraval só
garantiu absolvição para os combatentes na Terra Santa. Mas estes mouros daqui
não são infiéis como os outros?, indagou Gunther. Os outros encolheram os
ombros e já Johann fazia sinal para que se calassem, enquanto ouvia atentamente
o latim de Pedro Pitões. Lembra-nos que as lutas contra os infiéis fazem parte
de uma guerra justa, disse por fim. Cruzados dignos desse nome não podem
recusar a luta contra os infiéis, neste caso, os mouros cruéis. Mais diz que as
lutas entre cristãos, não só enfraquecem a Cristandade, como são condenadas por
Deus e pela Igreja. Combater só é pecado quando não tem o consentimento de quem
dispõe da legítima autoridade: a Igreja. Neste ponto, alguns dos cruzados
resolveram intervir. Exigiam saber com que recompensas podiam afinal contar,
caso libertassem Lusbuna das mãos dos infiéis. O bispo do Porto retorquiu que
se tratava de uma cidade rica, mas que ele não estava autorizado a negociar a
recompensa. Por isso, pedia-lhes em nome d'el-rei que velejassem até à foz do
Tejo, onde Afonso Henriques se encontraria com eles». In
Cristina Torrão, A Cruz de Esmeraldas, Edição Ésquilo, 2009, ISBN 978-989-809-261-8.
Cortesia
de Ésquilo/JDACT