terça-feira, 10 de outubro de 2017

A Cruz de Esmeraldas. Cristina de Torrão. « Não sejas desmancha-prazeres!, pediu o mais velho. O Julião precisa de saber o que se passa, pois hoje tens direito a tratamento especial»

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«(…) Assim, foram percebendo que ele e o seu amigo Tomé, o empregado que os servira, tencionavam ir com os cruzados até Lusbuna e queriam saber se ainda havia lugar no barco deles (Julião pronunciava o nome da cidade de maneira estranha, mais como Lisbona). Konrad respondeu que, para a viagem curta, se poderia dar um jeito. De si para si, pensou admirado que pelos vistos não passava pela cabeça dos portugueses que os estrangeiros recusassem o apelo do seu rei! Depois de já terem bebido algumas canecas, Hadwig resolveu ir direito ao assunto com gestos evidentes: segurando uma imaginária anca feminina entre as mãos, movia estas para trás e para a frente. Julião desatou às gargalhadas e acenou entendimento com a cabeça. Apontando para Johann, Gunther berrou, eufórico de vinho: o fedelho aqui faz anos! E é a sua primeira vez! Cala-te, rosnou o rapaz, apesar de Julião não ter entendido o ruivo. Estou cansado e vou já regressar ao barco. Não sejas parvo, atirou Gunther e tornou a dirigir-se ao português, desta vez gritando ainda mais alto, como se o outro o entendesse melhor assim: é a sua primeira vez! Julião não percebia patavina. Com mil raios, vociferou o ruivo. Johann, como se diz primeira vez em latim? Pensas mesmo que te vou dizer? Ora, atalhou Konrad, eu não aprendi muito latim, mas chega para... Pensei que estivesses do meu lado, interrompeu-o o irmão, de olhar ofendido.
Não sejas desmancha-prazeres!, pediu o mais velho. O Julião precisa de saber o que se passa, pois hoje tens direito a tratamento especial. Hadwig e Gunther desataram às gargalhadas. Ora bem, começou Konrad, primeira acho que se diz prima... não é? Prima!, gritou logo Gunther, enquanto fazia os mesmos gestos de Hadwig e apontava para o Johann. A estratégia acabou por funcionar! Julião observou o rapazito divertido. Depois, chamou o empregado, com quem trocou algumas palavras. Finalmente, os quatro entenderam que a taberna estava quase a fechar e que deviam esperar pelo Tomé. Os dois portuenses levaram-nos a um bordel. A dona, uma morena avantajada, cujos seios só com dificuldade se mantinham dentro do seu decote generoso, veio recebê-los. Konrad percebeu que Julião e Tomé falavam com ela sobre o Johann. A mulher sorriu matreira, desapareceu por momentos e regressou com uma mocinha que era magra demais para o vestido grosseiro que envergava e que teria no máximo quinze anos. A pele bronzeada assinalava a sua origem humilde, mas os seus longos cabelos pretos e lisos brilhavam como algas à luz das velas. Os olhos negros amendoados davam-lhe uma beleza inesperada para uma plebeia. Ela porém não encarava os homens, o que revelava a sua falta de experiência. Não, não, não!, bradou Konrad. O rapaz precisa de uma mulher experiente. A dona do bordel olhou-o embasbacada, pois não fazia ideia que bicho o teria mordido. Depois, apontou para a rapariga e disse algo aos portugueses.
Não, insistiu Konrad. Ela é nova demais. Virou-se para Julião e Tomé e acrescentou: ele precisa de outra, assim mais..., rodada. Não o entendiam. A morena redonda começou a barafustar e os dois portugueses tentavam por sua vez dizer algo a Konrad. Até que ele se virou para Hadwig e desabafou: não adianta! É melhor irmos a outro lado. Pois eu não saio daqui!, afirmou Gunther, que olhava extasiado para a dona do bordel. Tenho que fornicar este pedaço de mulher! Tu estás mas é bêbedo, gritou-lhe Konrad. Acalma-te, lançou Hadwig. Já viste a cara do Johann? Konrad virou-se para o irmão, que olhava para a rapariga como se ela fosse uma preciosidade nunca vista. Ela agrada-lhe, insistiu o loiro. Pois a mim não me agrada esta história, replicou Konrad. Rameiras inexperientes causam problemas. E com estes dois pivetes tenho mesmo um mau pressentimento» In Cristina Torrão, A Cruz de Esmeraldas, Edição Ésquilo, 2009, ISBN 978-989-809-261-8.

Cortesia de Ésquilo/JDACT