Guimarães. Dezembro de 1130
«(…) A velha bruxa esticou o
pernil!, sugeriu Gonçalo Sousa. Não concordei e declarei que devíamos procurá-la
depressa, pois também Fernão Peres Trava desejava encontrar a relíquia, para a
oferecer a Afonso VII, o que representava um perigo para o nosso príncipe e
para o Condado Portucalense. Sohba é a chave do mistério da relíquia,
proclamei, preocupado. Nesse momento, meu tio Ermígio franziu a testa e
perguntou-me: tendes a certeza de que é uma bruxa? Pouco sabíamos sobre aquela
duvidosa personagem, mas Afonso Henriques mostrou-se desinteressado dessas
distantes questões e recuperou a habitual lengalenga do seu azar com as
mulheres. Foi Gonçalo quem o interrompeu, relembrando: podeis sempre ir espetar
a normanda! Se aquelas fabulosas tetas fossem minhas, espumava-me em Lanhoso
todas as santas noites! Ouviram-se mais risos e novo protesto de Teresa Celanova,
e só meu tio Ermígio permaneceu absorto nos seus tristes pensamentos, enquanto
o príncipe afirmava que iria a Lanhoso afogar as mágoas no regaço da sua amiga
Elvira, descendente de normandos! Sempre teatral, Gonçalo ergueu os braços ao
alto e declarou: aleluia, ressuscitou!
Lanhoso. Dezembro de 1130
Os preceitos religiosos proibiam
as folganças durante o Advento, mesmo entre os que se haviam casado numa
igreja, como era o meu caso. Mas é sabido que, apesar de muitos cristãos
tentarem cumprir as inúmeras leis de Cristo, essa é uma das que menos
conseguem. Perdida Chamoa, o príncipe de Portugal deduziu que um regresso aos
braços calorosos e fortes de Elvira era a única forma de se levantar do chão de
tristeza onde tombara e mandou às malvas os princípios em que fora educado.
Dias antes do Natal, apareceu em Lanhoso a cavalo, apenas escoltado por dois
fiéis soldados. Elvira Gualter, a descendente dos vikings que ele havia
conhecido em Viseu, ao vê-lo atravessar a porta da alcáçova de um dos mais
íngremes e inexpugnáveis castelos portucalenses, abriu um largo sorriso e
interrogou-o: vindes visitar vossas irmãs?
As
filhas de dona Teresa e de Fernão Peres Trava, chamadas Sancha e Teresa, eram
pequeninas e viviam em Lanhoso desde que dona Teresa morrera, na companhia de Elvira,
que fora encarregue pela falecida regente de tomar conta delas. A normanda,
loira e alta e com um corpo imponente, não era muito bonita de cara, mas
aqueles cabelos dourados e sobretudo as suas formas polpudas, sempre haviam
atraído fortemente Afonso Henriques. Mesmo sabendo que ele apenas a desejava,
Elvira aceitava-o com alegria, pois era desprovida de qualquer sentimento de
posse. De baixo nascimento, o pai era pescador de trutas nos rios, a normanda não
ambicionava mais do que uma existência tranquila e sabia perfeitamente que o
príncipe jamais casaria com ela. Essa aceitação serena da sua condição
secundária permitia-lhe, sem qualquer sobressalto ou ciúme, dividir os afectos
dele com outras mulheres, nomeadamente Chamoa». In Domingos Amaral, Assim Nasceu
Portugal, A Vitória do Imperador, Casa das Letras, LeYa, 2016, ISBN
978-989-741-461.
Cortesia
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