«A
tradução que publicamos do Asno de
Ouro, de Apuleio, é atribuída a Diego López Cortegana, arcediano de
Sevilha pelos anos de 1500.
Este livro, composto ao estilo de
Mileto, poderá conhecer e saber diversas histórias e fábulas, com as quais
deleitará os seus ouvidos e sentidos, se quiser ler e não menosprezar, ver esta
escritura egípcia, composta com engenho das ribeiras do Nilo; porque aqui verá
as fortunas e figuras de homens convertidas noutras imagens e tornadas outra
vez na sua mesma forma. De maneira que se maravilhará do que digo. E se quer
saber quem sou, em poucas palavras lhe direi isso: Minha antiga linhagem teve a
sua origem e nascimento nas colinas do Himeto ateniense, no istmo da Efirea e em
Tenaro de Esparta, que são cidades muito férteis e nobres, celebradas por
muitos escritores. Nesta cidade de Atenas comecei a aprender sendo moço; depois
vim a Roma, onde com muito trabalho e fadiga, sem que professor me ensinasse,
aprendi a língua natural dos Romanos. Assim que peço perdão se em algo ofender,
sendo eu rude para falar língua estranha. Que até a mesma mudança de meu falar
responde à ciência e estilo variável que começo a escrever. A história é grega,
entende-a bem e haverá prazer.
Lucio Apuleio, desejando saber
arte mágica, foi à província de Tessália, onde estas artes se sabiam; no
caminho juntou-se terceiro companheiro a dois caminhantes, e andando naquele
caminho foram contando certas coisas maravilhosas e incríveis de um embaixador
e de duas bruxas feiticeiras que se chamavam Meroe e Panthia, e logo diz de
como chegou à cidade Hipata e de o seu hospedeiro Milón, e o que a primeira
noite aconteceu na sua casa. Lê e verá coisas maravilhosas. E indo à Tessália
sobre certo negócio, porque também dali era a minha linhagem, de parte de minha
mãe, daquele nobre Plutarco e Sesto, seu sobrinho, filósofos, dos quais vem
nossa honra e glória, depois de passar serras e vales, prados arborizados e
campos arados, já o cavalo que me levava, ia cansado. E assim, por isso, como
por exercitar as pernas, que tinha cansadas de cavalgar, saltei em terra e
comecei a esfregar o suor e à frente de meu cavalo. Tire-lhe o freio e retirei
das orelhas, e leve-o diante de mim, pouco a pouco, até que fosse bem
descansado, fazendo o que naturalmente acostumara. Caminhando de tal maneira,
ele mordia por esses prados uma parte e a outra, torcendo a cabeça, e comia o
que podia, até que a dois companheiros que iam um pouco diante de mim eu me
cheguei e fiz-me terceiro, escutando o que falavam. Um deles, com uma grande
risada, disse: cala já; não diga essas palavras tão absurdas e mentirosas.
Como ouvi isto, desejando saber
coisas novas, disse: antes, senhores, repartam comigo do que falam, não porque
eu seja curioso de sua fala, mas porque desejo saber todas as coisas, ou ao
menos muitas, e também, como subimos a áspera desta encosta, o falar-nos
aliviará do trabalho. Então, aquele que começara a falar disse: por certo, não
é mais verdade esta mentira que se algum dissesse que com arte mágica os rios
caudalosos tornam para trás, e que o mar se coalha, e os ares morrem, e o Sol
está fixo no céu, e a Lua desponta nas ervas, e que as estrelas se arrancam do
céu, e o dia se tira, e a noite detém-se. Então eu, com um pouco de mais
ousadia, disse: ouça você, que começou a primeira fala, por amor de mim que não
lhe cause pesar nem se zangue de proceder adiante. Assim mesmo, disse ao outro:
você me parece que com grosso entendimento e rude coração menospreza o que por
ventura é verdade. Não sabe que muitas coisas pensam os homens, com suas más
opiniões, ser mentira, porque são novamente ouvidas, ou porque nunca foram
vistas, ou porque parecem maiores do que se pode pensar, as quais, se com
astúcia as olhasse e contemplasse, não somente seriam claras de achar, mas
muito ligeiras de fazer? Pois, aconteceu-me que indo à Atenas um dia, já tarde,
e comendo com outros, eu, por fazer como eles, mordi um grande bocado numa
queijadinha, por causa de que os convidados se davam pressa em comer. E como
aquele é manjar branco e pegajoso, atravessando-me no gargalo, não me deixando
respirar, até que por pouco fiquei morto; mas com todo meu trabalho cheguei à
cidade, e no portal grande que chamam Pecile vi com estes ambos os olhos a um
cavalheiro destes que fazem jogos de mãos que se tragou uma espada bem aguda
pela ponta. E logo, por um pouco de dinheiro que lhe davam, tomou uma lança
pelo ferro e lançando-a pela barriga, de maneira que o ferro da lança, que
entrou pela virilha, saiu-lhe pela parte da nuca à cabeça, e apareceu um menino
lindo no ferro da lança, subindo e volteando, do qual nos maravilhamos quantos
ali estávamos, que não dissesse, mas sim, era o bastão do deus Esculápio, meio cortados
os remos, e assim áspero, com uma serpente volteando em cima». In
Lucio Apuleio, A Metamorfose, O Asno de Ouro, Século XV/XVI, Publicações
Europa-América, Clássicos, 1990, ISBN 978-972-103-151-7.
Cortesia de PEAmérica/JDACT