sábado, 23 de dezembro de 2017

A Rainha Perfeitíssima. Paula Veiga. «Foi somente quando o infante João nasceu, 1455, anos mais tarde, que o Rei concedeu um perdão generalizado a todos aqueles que tinham participado na Batalha…»

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«(…) Deste casamento nasceram vários filhos; seis rapazes de nome João, Diogo, Duarte, Dinis, Simão e Manuel, e três raparigas chamadas Leonor (eu), Isabel e Catarina. Dos nove filhos que meus pais trouxeram a este mundo, nem todos chegaram a idade adulta e dos que o conseguiram nem todos sobreviveram. Mas talvez seja preferível falar-vos um pouco da vida de cada um, com mais ou menos pormenor, porque estão intimamente ligados com a minha própria existência. É provável que a parte mais surpreendente seja o facto de, como já vos disse, ser também irmã de rei, porque uma sucessão de acontecimentos insólitos levaram Manuel ao trono. Contudo, meu pai não era somente um segundo filho relegado para um plano secundário, sem qualquer poder, bens ou honrarias. Teve a sorte de ser perfilhado pelo seu tio, o infante Henrique, o (dito, jdact) Navegador, um dos homens mais poderosos do reino. Quando o infante Henrique faleceu, dois anos depois de eu nascer, meu pai herdou um vasto património.
Quando eu nasci, reinava Afonso V, filho do monarca Duarte I e de dona Leonor de Aragão. Afonso V que era meu tio, pela parte de meu pai, herdou o trono muito jovem. Depois de seu pai, Duarte I, falecer, a Rainha viúva foi regente do reino. Contudo, o povo não gostava de ser governado por uma mulher Aragonesa e a regência foi disputada entre ela e o seu cunhado, o infante Pedro, que era então o duque de Coimbra. O infante Pedro governou durante vários anos até Afonso V assumir o governo do reino. Afonso casou com uma filha deste, a doce e bela Rainha dona Isabel de Avis. Seguiu-se um período conturbado da nossa história, cheio de intrigas, rivalidades e disputas pelo poder que acabou na Batalha de Alfarrobeira e na morte do infante Pedro. A Rainha, que muito amava seu pai, ficou inconsolável e refugiou-se primeiro em Santarém e mais tarde no Castelo de Óbidos.
Foi somente quando o infante João nasceu, 1455, anos mais tarde, que o Rei concedeu um perdão generalizado a todos aqueles que tinham participado na Batalha, reabilitando assim a memória do falecido sogro, o infante Pedro. Pouco tempo depois de o herdeiro nascer a Rainha veio a falecer em consequência de sequelas do parto (as fontes divergem na causa da morte da Rainha, poderá ter sido sequelas do parto ou tuberculose). Uma vez mais uma jovem rainha, que contava apenas com vinte e três anos, perdia a vida no cumprimento do seu dever, o de dar um herdeiro ao reino. O Rei ficou tristíssimo, porque desde a infância amava profundamente Isabel, e durante longos tempos não quis sequer pensar em casar-se novamente. Mas valores e interesses políticos iriam alterar esta situação e o Rei acabaria por casar, anos mais tarde, com a sua sobrinha castelhana, Juana.
Embora Juana fosse filha da infanta Joana (irmã de Afonso V) e de Henrique IV, rei de Castela e Leão, muitas foram as dúvidas que surgiram sobre a sua paternidade. Constava na corte que o rei padecia de doença que o impedia de consumar o coito, pelo que não tinha condições para conceber um herdeiro. Contudo, segundo se diz, o engenho e a necessidade de dar um herdeiro ao reino levou o rei a recorrer aos médicos judeus, que engenhosamente iriam resolver o problema. Na altura, os físicos hebraicos eram os detentores dos conhecimentos e das práticas médicas mais avançadas para a época e, por isso, levaram a cabo um processo de concepção sem cópula, ou seja, a primeira inseminação assistida, que resultou no nascimento desta linda princesinha. Certo é que o rei recebeu esta criatura como sendo sua filha legítima e a infanta foi jurada sua herdeira. Foi amada enquanto o seu pai foi vivo.
Mas a história desta sobrinha castelhana é uma história triste, porque Juana, apesar do amor que seu pai lhe devotava, desde o dia do seu nascimento, sempre representou, como vos irei contar, um embaraço para o Reino de Castela e Aragão, porque nem todos acreditavam nos métodos utilizados pelos médicos e desde muito cedo colocaram em causa a sua linhagem». In Paula Veiga, A Rainha Perfeitíssima, 2017, Edições Saída de Emergência, 2016/2017, ISBN 978-989-773-014-6.

Cortesia de ESdeEmergência/JDACT