De acordo com o
original.
Actos
de Caridade
«(…)
Se durante a vida de El-rei D. Dinís a acção da Rainha Santa foi um constante manancial
de actos virtuosos, a partir do momento da sua viuvês, a sua acção tornou-se verdadeiramente
exemplar. O numero de factos que desde então assinalam tão gloriosa existencia
na terra, mais e mais fazem arreigar na alma do povo a convicção dos designios
de Deus por Ela tão santamente interpretados. Sem todavia esquecer os deveres
de Rainha, que lhe absorviam uma grande parte dos seus cuidados, e não poucas
vezes foram motivo de profundos desgostos, D. Isabel de Aragão cinge livremente
o hábito de freira Clarista e volvendo os olhos piedosos para um mais largo
horisonte, consagra-se completamente a obras de caridade, fundando e auxiliando
hospicios e asilos, nos quais se albergam, sob a sua protecção, muitas infelizes
que se regeneraram pelos seus conselhos e alcançaram na terra a felicidade que só
sabem gosar as almas puras e simples. Querendo encaminhar-se pela estrada
luminosa que da terra se eleva até Deus, um dos seus primeiros cuidados, ao
ver-se cingida pela roupagem da viuvês, foi trocar os faustos das glorias
terrenas pela humildade da clausura a que, como já dissemos, livremente se
sujeitou.
Junto dos seus Paços riais
corriam vagarosamente as obras para a fundação do Convento de Santa Clara,
obras que prometiam eternizar-se por demandas entre os frades Cruzios e D.
Maior Dias, fundadora daquele convento, e que certamente ficariam incompletas
se não fosse o auxilio e protecção que a Rainha Santa dispensou para a sua rápida
conclusão. Uma vez concluido, cuidou logo a Rainha Santa em fundar junto deste
convento um asilo para órfãos e para a pobresa envergonhada, chamando para
junto de si algumas amas de leite com o encargo de alimentarem as crianças
desvalidas! A maior parte do seu tempo tinha-o a Rainha Santa distribuido por
forma a satisfazer os seus deveres de Rainha e cristã; o restante empregava-o
no ministerio da caridade visitando os asilados, a quem não só consolava com a
sua palavra, mas muitas vezes servia de carinhosa enfermeira curando as chagas
que lhes corroiam o corpo.
Nesta e em muitas outras obras de
verdadeira abnegação dispendia a Rainha Santa quasi toda a sua fortuna. Com o
auxilio de Deus, a quem firmemente procurava engrandecer com os merecimentos
das suas preciosas virtudes, nunca a Rainha Santa lutou com dificuldades para
se desempenhar da sua nobre missão. Os proventos de que dispunha parece que
tinham o condão de se multiplicar e, se algumas vezes houve em que o seu socorro
tinha de fazer face a maiores calamidades, então eram as Rosas que, adquirindo a
forma de oiro reluzente, premiavam os seus actos de caridade e satisfaziam os encargos
adquiridos para garantir o pão aos famintos! Da sua vida, tão brilhantemente
documentada na preciosa obra de S. Ex.ª o sr. Dr. Antonio Garcia Ribeiro Vasconcelos,
erudito professor da Universidade de Coimbra, constam
muitos e importantes factos da vida gloriosa da Rainha Santa, traduzidos todos
eles nos mais altos beneficios em favor dos desprotegidos.
Morte
da Rainha Santa
Em Junho de 1336 teve a Rainha
Santa conhecimento de que seu filho D. Afonso IV e seu neto D. Afonso XI, rei
de Castela, se haviam indisposto por motivo de graves acontecimentos, tendo-se
declarado a guerra entre aqueles dois poderosos monarcas. Quando a Rainha Santa
soube de tal resolução imediatamente se resolveu a partir para Estremoz, lugar
onde a esse tempo estava seu filho acompanhado de toda a Côrte. Êste propósito
foi prudentemente combatido pelos medicos da Rainha Santa, os quais, temendo
mais o excesso do calor e a fadiga dessa longa viagem do que a idade da virtuosa
Senhora, se apressaram a demovê-la dessa resolução. Inuteis rogos e infrutiferas
tentativas! A Rainha Santa, despresando esses bons conselhos e animada sómente
em restabelecer a paz entre os reis desavindos, filho e neto, parte apressadamente
de Coimbra, caminhando sob um sol abrasador, e chega finalmente junto das
fortalezas de Estremoz, abatida e fatigada, mas cheia de animo para cumprir a sua
carinhosa missão. Logo que a sua chegada é conhecida no acampamento de D.
Afonso IV, imediatamente se suspendem as hostilidades e todos se abeiram do
leito da Rainha Santa para lhe prodigalizarem os cuidados que a sua melindrosa
saude exigia.
Baldados esforços porque o mal
agravava-se de momento para momento. Uma pústula que rapidamente lhe apareceu
num braço tornou mais melindroso o seu estado e, no dia 4 de Julho, manhã cedo,
a Rainha Santa declarou que queria receber os últimos Sacramentos. Na tarde
desse mesmo dia as forças principiaram a faltar-lhe, a Rainha Santa vê que é
chegada a sua ultima hora, e erguendo o pensamento até ao Ceu, encarrega a Mãe
de Deus de lhe receber a alma, pronunciando com toda a suavidade estes versos
do hino eclesiastico:
Mãe de graças e Misericordia
Maria piedosa e forte:
Livra a minha alma, recebe-a
Na hora da minha morte».
In Anonymous, Isabel d’Aragão e Rainha
Santa, 2011, ISO 8859-1, Project Gutenberg Ebook, produzido por Pedro Saborano,
Coimbra, Gráfica Conimbricense, Lda, 1921.
Cortesia de PGutenberg/Gráfica
Conimbricense/JDACT