De acordo com o
original.
«Muito
se tem escrito ácerca da vida da excelsa e virtuosissima D. Isabel d'Aragão, Esposa
d'el-rei D. Dinís; mas impunha-se ha muito a publicação dum folheto, como este,
que sendo conciso na sua descrição não deixasse de relatar os factos que mais distinguiram Aquela que a cidade de Coimbra
escolheu para sua Augusta Padroeira e Protectora. O que o autor deste folheto
teve em vista foi facultar aos fieis, com grande economia de preço, um livrinho
de leitura facil e corrente, ao alcance de todos, onde a historia sagrada da
Rainha Santa possa deixar bem arreigada no espirito dos crentes a obra sublime,
verdadeiramente maravilhosa, que lhe concedeu logar na côrte celestial. As
notas que colhemos foram, principalmente, extraídas do monumental trabalho de investigação
historica do Ex.o Sr. Dr. Antonio Garcia Ribeiro Vasconcelos, na sua tão
apreciada obra D. Isabel d' Aragão. A fama de santidade da Rainha Santa
Isabel estende-se por todo Portugal e por muitas terras de Hespanha. Em
Coimbra, porém, é tão grande que em parte alguma do nosso país se realizam
festas tão pomposas em honra dum santo, como nesta cidade, onde concorrem para
mais de 50:000 pessoas por essa ocasião. É nos momentos de luta pela
adversidade da vida que os conimbricenses, principalmente, recorrem á protecção
da Rainha Santa na sua fervorosa suplica, e se nem sempre logram alcançar a
satisfação das suas preces, é já poderoso linitivo para a sua dôr a lembrança
de que Ela nunca desamparou os infelizes com a sua divina graça. Isabel
d'Aragão tendo sido um grande exemplo de virtudes, deu tambem uma prova bem frisante
do seu amor a Coimbra, determinando em seu testamento que o seu corpo sagrado
repousasse no mosteiro de Santa Clara desta cidade, onde Ela esteve clausurada e
donde foi trasladado o seu corpo para o novo mosteiro do mesmo nome. É, pois,
pouco quanto façam os conimbricenses em honra da memoria sagrada da Sua excelsa
Padroeira.
Nascimento
da Rainha Santa. Da côrte de Aragão ao Trono de Portugal
A Rainha Santa Isabel, que
Coimbra se ufana de ter como desvelada Protectora e valiosa Padroeira, nasceu
na cidade de Saragoça (Espanha), no ano de 1271. Filha do Principe real D.
Pedro de Aragão e de sua esposa D. Constança, o seu nascimento foi desde logo
iluminado pela graça divina, pois que seu avô, El-rei D. Jaime, que até aí
vivia em grande discordia com D. Pedro de Aragão, imediatamente se congraçou
com este, passando ambos a viver na mais doce harmonia. Assim demonstrou Deus
aos homens que esta menina estava reservada a ser na terra a medianeira da paz,
o Anjo predestinado a estabelecer a harmonia e a concordia entre os desavindos,
facto que mais tarde, quando Rainha de Portugal, se verificou nas diversas desavenças
entre seu esposo El-rei D. Dinís e seu filho D. Afonso IV.
A Rainha Santa Isabel foi, como
já dissemos, aureolada desde o seu nascimento pela graça do Senhor. As suas
preciosas virtudes bem cedo se revelaram, crescendo nela com a idade a fama que
tanto a impôs á consideração de todas as côrtes da Europa, facto que despertou
em bastantes principes o desejo de possuirem como esposa tão excelsa senhora. Foi
á côrte de Portugal, felizmente, que coube a suprema ventura de ser a preferida
entre todas as outras, merecendo El-rei D. Dinís a gloria de ter como consorte
um tesouro de tantas virtudes e de tão preciosos encantos.
O casamento de D. Dinís com D.
Isabel celebrou-se por procuração na antiga cidade de Barcelona, tendo lugar
este acto no dia 11 de Fevereiro de 1282 e contando a futura Rainha de Portugal
apenas 11 anos de idade. Êste auspicioso enlace constituiu um motivo de grande
regosijo para todos os portugueses, antevendo estes os enormes beneficios deste
casamento, o qual foi muito festejado e aclamado em todo o país com demonstrações
de grande alegria e verdadeira satisfação. A saída de D. Isabel para Portugal
causou a seus pais grandes tristesas, custando-lhes imenso essa separação pelas
profundas saudades que D. Isabel deixava em todos os corações que muito a
estremeciam.
De Espanha até Coimbra foi a
excelsa Rainha delirantemente aclamada por todo o povo que acorria á sua
passagem, salientando-se mais essas carinhosas manifestações na antiga vila de
Trancoso, onde, no dia 24 de Junho de 1282, no templo de S. Bartolomeu, se
celebraram com toda a pompa as bençãos nupciais. Em Coimbra, onde a esse tempo
residia a côrte juntamente com a principal nobresa do reino, as manifestações
de contentamento e alegria pela chegada dos régios nubentes, atingiram o mais
delirante entusiasmo, conquistando logo a Rainha D. Isabel a simpatia e o amor
dum povo que, mais tarde, havia de herdar o seu mais precioso tesouro, o sagrado
corpo que todos hoje veneramos, e que esta cidade conserva com a mais desvelada
e respeitosa devoção. As manifestações de regosijo com que a cidade recebeu os
régios consortes foram, pois, verdadeiramente grandiosas, vestindo a cidade as
suas melhores galas para bem lhes significar o contentamento de que se achava
possuida por motivo daquele enlace, cujos efeitos tanto se evidenciaram na vida
da nação portuguesa, e de que Coimbra comparticipou em larga escala pelos
benéficos actos de caridade que a Santa Rainha espalhou por toda a parte.
Foi nesta cidade, principalmente,
que D. Isabel de Aragão manifestou mais claramente a pureza da sua alma. Os
actos de caridade que praticou, os socorros por ela prestados á indigencia, aos
órfãos, ás viúvas e ás donzelas abandonadas, foram os primeiros lavores que lhe
teceram a sua coroa de gloria; a fundação de asilos, de albergues e de
hospitais, que a sua magnificencia sustentou e onde se recolhia uma legião de
infelizes, originou, sem duvida, a fama de santidade que bem cedo a distinguiu
e que, mais tarde, a 25 de Maio de 1625, dia da Santíssima Trindade, a Igreja
confirmou, englobando-a no numero dos eleitos do Senhor». In Anonymous, Isabel d’Aragão e
Rainha Santa, 2011, ISO 8859-1, Project Gutenberg Ebook, produzido por Pedro
Saborano, Coimbra, Gráfica Conimbricense, Lda, 1921.
Cortesia
de PGutenberg/Gráfica Conimbricense/JDACT