quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Obra de Eugénio de Andrade. Antologia Breve. Eugénio de Andrade. «Abril anda à solta nos pinhais coroado de rosas e de cio, e num salto brusco, sem deixar sinais, rasga o céu azul num assobio»

Cortesia de wikipedia e jdact

Nocturnos
«Coaxar de rãs é toda a melodia
que a noite tem no seio,
versos dos charcos
e dos juncos podres,
casualmente, com luar no meio».

Espera
«Horas, horas sem fim,
pesadas, fundas,
esperarei por ti
até que todas as coisas sejam mudas.

Até que uma pedra irrompa
e floresça.
Até que um pássaro me saia da garganta
e no silêncio desapareça».

Os Amantes sem dinheiro
«Tinham o rosto aberto a quem passava.
Tinham lendas e mitos
e frio no coração.
Tinham jardins onde a lua passeava
de mãos dadas com a água
e um anjo de pedra por irmão.

Tinham como toda a gente
o milagre de cada dia
escorrendo pelos telhados;
e olhos de oiro
onde ardiam
os sonhos mais tresmalhados.

Tinham fome e sede como os bichos,
e silêncio
à roda dos seus passos,

mas a cada gesto que faziam
um pássaro nascia dos seus dedos
e deslumbrado penetrava nos espaços».

Abril
«Brinca a manhã feliz e descuidada,
como só a manhã pode brincar,
nas curvas longas desta estrada
onde os ciganos passam a cantar.

Abril anda à solta nos pinhais
coroado de rosas e de cio,
e num salto brusco, sem deixar sinais,
rasga o céu azul num assobio.

Surge uma criança de olhos vegetais,
carregados de espanto e de alegria,
e atira pedras às curvas mais distantes
onde a voz dos ciganos se perdia».
Poemas de Eugénio de Andrade, in ‘Antologia Breve

In Eugénio de Andrade, Antologia Breve, Obra de Eugénio de Andrade nº 25, Fundação Eugénio de Andrade.

Cortesia de FEAndrade/JDACT