Nocturnos
«Coaxar
de rãs é toda a melodia
que a noite tem
no seio,
versos dos
charcos
e dos juncos
podres,
casualmente,
com luar no meio».
Espera
«Horas,
horas sem fim,
pesadas, fundas,
esperarei por ti
até que todas as
coisas sejam mudas.
Até que uma
pedra irrompa
e floresça.
Até que um
pássaro me saia da garganta
e no silêncio
desapareça».
Os
Amantes sem dinheiro
«Tinham
o rosto aberto a quem passava.
Tinham lendas e
mitos
e frio no
coração.
Tinham jardins
onde a lua passeava
de mãos dadas
com a água
e um anjo de
pedra por irmão.
Tinham como toda
a gente
o milagre de
cada dia
escorrendo pelos
telhados;
e olhos de oiro
onde ardiam
os sonhos mais
tresmalhados.
Tinham fome e
sede como os bichos,
e silêncio
à roda dos seus
passos,
mas a cada gesto
que faziam
um pássaro
nascia dos seus dedos
e deslumbrado
penetrava nos espaços».
Abril
«Brinca
a manhã feliz e descuidada,
como só a manhã
pode brincar,
nas curvas
longas desta estrada
onde os ciganos
passam a cantar.
Abril anda à
solta nos pinhais
coroado de rosas
e de cio,
e num salto
brusco, sem deixar sinais,
rasga o céu azul
num assobio.
Surge uma criança
de olhos vegetais,
carregados de
espanto e de alegria,
e atira pedras
às curvas mais distantes
onde a voz dos
ciganos se perdia».
Poemas de
Eugénio de Andrade, in ‘Antologia
Breve’
In
Eugénio de Andrade, Antologia Breve, Obra de Eugénio de Andrade nº 25, Fundação
Eugénio de Andrade.
Cortesia
de FEAndrade/JDACT