sábado, 27 de janeiro de 2018

As Egípcias. Christian Jacq. «Merit-Neit é o terceiro faraó da primeira dinastia e o primeiro faraó do sexo feminino»

Cortesia de wikipedia e jdact

Merit-Neit, a primeira faraó do Egipto?
«(…) Eis o enigma: uma mulher, Merit-Neit, a amada da deusa Neit, possui o túmulo Y em Abidos e o túmulo 3503 em Sacara. Ora, só um faraó podia ter este privilégio. Além disso, estas duas sepulturas são muito semelhantes às dos outros soberanos da dinastia. O túmulo de Merit-Neit em Abidos (19 m por 16 m), construído no fundo de um poço com paredes revestidas de tijolos, é uma das maiores e mais bem construídas sepulturas reais desta época. Entre as paredes de tijolos existem oito capelas de forma alongada onde estavam colocados objectos rituais como ânforas e outros recipientes. No solo da câmara funerária havia uma espécie de parquete e era protegida por um telhado de madeira. Não faltavam esteias erigidas em memória do defunto. Tanto em Sacara como em Abidos, a última morada de Merit-Neit encontra-se rodeada de sepulturas de funcionários e artífices que formavam a sua corte, sem esquecer setenta e sete servas, se é que podemos confiar no relatório das escavações. Concluindo: Merit-Neit é o terceiro faraó da primeira dinastia e o primeiro faraó do sexo feminino.
Uma objecção, porém: nas esteias de Merit-Neit falta a representação do falcão Hórus, protector do faraó. De facto, todos os faraós ostentavam a denominação Hórus. Cremos que a presença da deusa Neit no nome de Merit-Neit pode paliar esta ausência. Vamos tentar compreender porquê. Exceptuando Menes, o antepassado fundador, o primeiro faraó da primeira dinastia foi Aha, o Guerreiro. A sua esposa, a primeira rainha do Egipto, chamava-se Neit-Hotep, a deusa Neit está em paz. Um faraó guerreiro, uma rainha pacífica; por certo a expressão de um desejo de equilíbrio. Eis pois esta enigmática deusa Neit, que presidiu aos destinos da primeira rainha do Egipto e da primeira mulher faraó. Os textos explicam-nos a razão desta escolha. Símbolo do vento e da inundação, Neit é a imensa superfície aquática que gerou o que existe, que criou as divindades e os seres, a grande mãe que tornou as sementes fecundas; tudo o que nasce provém dela. Grande antepassada do começo dos tempos, veio ao mundo por si só: foi a primeira mãe, deus e deusa ao mesmo tempo. Andrógina, dois terços homem e um terço mulher, macho capaz de desempenhar o papel de fêmea e fêmea capaz de desempenhar o papel de macho, Neit criou o mundo com sete palavras. Gerando o seu próprio nascimento, qualificaram-na como pai dos pais e mãe das mães. Sob a protecção de Neit, uma mulher que ascenda ao poder é pois uma personalidade autónoma, tanto mais que o próprio faraó é definido como um poder divino cujas orientações regem a nossa vida, o pai e a mãe, único e sem igual.
Pai e mãe: eis a natureza do faraó. Na ordem humana, esta natureza exprime-se num casal formado pelo rei e pela rainha. Afirma Aton, o princípio criador: eu sou Ele-Ela; de resto, ele une-se à sua própria expressão feminina, Atumet, simbolizada por uma serpente. Esta constatação é importante: é um casal que governa o Egipto, análogo ao primeiro casal divino formado por Chu e Tefnut, por vezes simbolizado por um casal de leões. Não existe nenhum templo dedicado a faraós do sexo masculino e solteiros, porque uma grande esposa real revela-se indispensável para celebrar os ritos e manter a ligação entre o céu e a Terra. Em contrapartida, um faraó do sexo feminino não precisa de marido humano, pois tem em si o princípio masculino, como Ísis tinha Hórus. Mas continua a ser faraó, pai e mãe. As rainhas participaram de maneira efectiva no governo do país. Longe de serem primeiras damas apagadas e sem consistência, desempenhavam funções de Estado e foram escolhidas de acordo com a sua capacidade para as exercerem. Daí os textos enaltecerem tanto o seu sentido de autoridade como a sua beleza. Estamos longe de qualquer feminismo, pois o que é valorizado e praticado é o papel espiritual da mulher, a sua participação activa na criação espiritual. Após o desaparecimento da instituição faraónica, a ideia perdeu-se e podemos falar mais de regressão do que de progresso».


In Christian Jacq, As Egípcias, Edições ASA, 2002, ISBN-978-972-413-062-0.
                                                                                                                            
Cortesia de EASA/JDACT