Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…)
Enquanto
Plério Tocava Flauta
Do
teimoso desgosto a mão nefanda,
Que o coração me estava
comprimindo,
Com susto se desvia,
e vai fugindo
Ao Báratro, após
Mégera execranda.
Nascei, versos, ao
som da flauta branda,
Recreai as Deidades
lá do Pindo,
Vá-se o canto
sublime, vá-se abrindo,
Que Délio, o mesmo
sacro Délio o manda.
A Camena altas
músicas descante,
Com a cítara
aspergida de ambrosia,
Em honra de Piério
hinos levante.
Ó Paz, filha de Apolo
e de Harmonia,
Descansa no meu peito
um doce instante,
Roubemo-lo ao domínio
da agonia!»
Quando assentaram praça o marquês de Fronteira, e seu irmão Carlos
Mascarenhas, netos da autora
«Junto às aras de
Numes fabulosos
Os mancebos de Atenas
se juntavam,
E pela Pátria e Fé
ali juravam
Dar a vida em
combates sanguinosos.
Fiéis aos juramentos,
animosos,
As mais tremendas
lides arrostavam,
E ou de louros
eternos se coroavam,
Ou seguiam os Manes
tenebrosos.
Juraste. Vê perante
quem juraste!
Vê com que acções os
teus te precederam,
E o que impõe a
carreira que abraçaste!
Os teus e os meus,
que o Reino defenderam,
Querem de ti que
proves quanto baste,
Que desta raça só heróis nasceram».
Por ocasião de partirem dois moços para
a guerra
«Para mim nasce o Sol sem
claridade;
Envolve-me em tal susto o meu
cuidado,
Que nele o pensamento concentrado
Me encobre quanto é menos que
saudade.
Embora a Pátria, a honra, a
heroicidade
Exija o que poupou meu triste
Fado,
Não vacilo: duas vítimas ao
Estado
Oferta, voluntária, a lealdade.
Mas que dor, que tormentos e
agonia
Mas arranca do peito com um
suspiro,
Que desculpe a materna simpatia!
Neste aperto aflitivo, se respiro,
Não vivo já; pois morro cada dia,
De
morrer acabando, quando expiro».
Achando-se a autora doente, em perigo de
vida
«Este ser, que me deu a Natureza,
Vai desorganizando a enfermidade;
Sinto apagar da vida a claridade,
Doma as corpóreas forças a
fraqueza.
Vai crescendo em minha alma a
fortaleza,
Quanto cresce do mal a
intensidade;
As portas áureas me abre a
Eternidade,
E lá cessam cuidados e tristeza.
Vou amar quem somente é sempre
amável,
Em oxigéneas luzes abrasar-me,
Nunca errar, nem temer gente
implacável.
Vou nos jardins celestes
recrear-me,
E
no seio de um Deus justo, adorável,
A tudo o que me falta
associar-me».
No dia 24 de Julho de 1834, estando muito doente
«Adeus, Sol, de outro
Sol imagem bela!
Para mim vão teus
raios apagar-se;
Vai minha alma
ansiosa colocar-se
Onde não há receios,
nem cautela.
Em doce paz, sem
susto de perdê-la,
Há de enfim ao
Supremo Bem ligar-se;
E da maior delícia
irá fartar-se,
Transmigrando feliz
de estrela a estrela.
Não tardes, hora!
Evita que este dia
Funeste, recordando
antigas penas,
Costume inveterado de
agonia.
Não me apresentes
mais glórias terrenas,
Sem que as possa
gozar; é tirania,
Pois de Tântalo à
sede me condenas».
Em resposta a Jónio
«Tempera noutro som
essa áurea lira;
Não crê Alcipe que te
causa espanto.
O seu plectro,
banhado há muito em pranto,
Destoa, geme,
queixa-se, delira.
Ela assusta-se quando
alguém a admira;
Com a luz da Razão
destrói o encanto,
Pois do Fado o rigor
tem sido tanto,
Que, se canta,
conhece que suspira.
O fogo com que Délio
resplandece
Só é dado a quem tem
contentamento;
Cercado de pesares,
esmorece.
A Ventura é quem dá
ao verso alento;
Sem ela o génio
pasma, desfalece,
Cala-se a Musa,
encurta o pensamento.
Lusitânia querida! Se
não choro
Vendo assim lacerado
o teu terreno,
Não é de ingrata
filha o dó pequeno;
Rebeldes julgo os
ais, se te deploro.
Admiro dos teus danos
o decoro.
Bebeu Sócrates firme
o seu veneno;
E em qualquer parte
do perigo o aceno
Encontra e cresce o
teu valor, que adoro.
Mais que a vitória
vale um sofrer belo;
E assaz te vingas de
opressões fatais,
Se arrasada te vês,
sem percebê-lo.
Povos! A
independência que abraçais
Aplaude, alegre, o
estrago, e grita ao vê-lo:
Ruína sim, mas servidão jamais!»
Sonetos de Leonor Almeida Portugal Lorena Lencastre,
1750 – 1839), in ‘Poemas
de Alcipe’
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