sábado, 20 de janeiro de 2018

Poemas de Alcipe. Marquesa de Alorna. «Rompa o espírito em paz liberto os ares, e completem as Parcas agressoras ruínas que fizeram os meus pesares».

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…)
Numa Doença
Àquele espaço que a alma compreende
Os meus passos dirijo temerosa;
Abre-se a Eternidade, que, horrorosa,
Por multidões de séculos se estende.

Mas neste ponto em que Átropos desprende
O fio de uma vida tão penosa,
A mãe, a cara mãe, triste, saudosa,
O pai, a terna irmã, tudo me prende!

Ideias do descanso roubadoras,
Deixai-me junto aos cândidos altares
Pôr fim tranquilo às minhas tristes horas!

Rompa o espírito em paz liberto os ares,
E completem as Parcas agressoras
Ruínas que fizeram os meus pesares».

Sobre a Égloga dos Pomareiros
«Morra a memória da famosa Alcina,
Esqueça-se o poder do mago Ismeno,
Que ao melífluo som do verso ameno,
Surgem bosques, comove-se a campina.

Apenas de Filinto a voz divina
Fere, alegre, o selvático terreno,
Calam-se as Musas, até se cala Alfeno,
Que o grande Vate todo o Pindo ensina.

Brilha suspenso o Délfico luzeiro;
Doce aroma, que os ares embalsema,
Gira em torno do sábio Pomareiro;

E Alcipe absorta, bem que o assunto tema,
Faz ressoar no monte sobranceiro
De rouco Cisne a voz talvez extrema.

Se me aparto de ti, Deus de bondade,
Que ausência tão cruel! Como é possível
Que me leve a um abismo tão terrível
O pendor infeliz da humanidade!

Conforta-me, Senhor, que esta saudade
Me despedaça o coração sensível;
Se a teus olhos na cruz sou desprezível,
Não olhes para a minha iniquidade!

À suave esperança me entregaste,
E o preço do teu sangue precioso
Me afiança que não me abandonaste.

Se, justo, castigar-me te é forçoso,
Lembra-te que te amei, e me criaste
Para habitar contigo o Céu lustroso!»

De Três
Fílis
O Zéfiro em silêncio lisonjeia
Destes vales os álamos frondosos,
Doce frescura espalham amorosos
Os regatos brincando pela areia.

Lília
Que pouco um peito aflito se recreia
Pelos templos de Flora deleitosos!
Que objeto vêm com gosto olhos chorosos,
Se a torrente das lágrimas medeia?...

Márcia
Não vejo ser que o peito não soçobre,
Nem tu, Mudança, escutas meus clamores,
Por mais que os sons variados neles dobre.

Entre teu leve manto furta-cores
A ventura diviso, que se encobre,
Deixando-me tragar dos dissabores.

Fílis
Escassamente o sol já se mostrava
Entre a sombra que as luzes lhe encobria;
Dos pássaros o canto que se ouvia
A ternura e saudades inspirava.

Márcia
Já o mocho noturno se escutava,
Que o retorno das trevas prevenia;
O terror que no peito meu descia
Triste lágrima dos olhos me arrancava.

Lília
Larguei a voz então aos surdos ventos,
Que nas cavernas ásperas, com brados,
Convocavam os sustos macilentos;

Aos soltos ais, nos montes espalhados,
Não respondem os seres sonolentos,
Que não há quem responda aos desgraçados»
Sonetos de Leonor Almeida Portugal Lorena Lencastre
(1750 – 1839), in ‘Poemas de Alcipe’

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