Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…)
Numa
Doença
Àquele espaço que a alma
compreende
Os meus passos dirijo temerosa;
Abre-se a Eternidade, que,
horrorosa,
Por multidões de séculos se
estende.
Mas neste ponto em que Átropos
desprende
O fio de uma vida tão penosa,
A mãe, a cara mãe, triste,
saudosa,
O pai, a terna irmã, tudo me
prende!
Ideias do descanso roubadoras,
Deixai-me junto aos cândidos
altares
Pôr fim tranquilo às minhas
tristes horas!
Rompa o espírito em paz liberto
os ares,
E completem as Parcas agressoras
Ruínas
que fizeram os meus pesares».
Sobre
a Égloga dos Pomareiros
«Morra a memória da famosa
Alcina,
Esqueça-se o poder do mago
Ismeno,
Que ao melífluo som do verso
ameno,
Surgem
bosques, comove-se a campina.
Apenas de Filinto a voz divina
Fere, alegre, o selvático
terreno,
Calam-se as Musas, até se cala
Alfeno,
Que o grande Vate todo o Pindo
ensina.
Brilha suspenso o Délfico
luzeiro;
Doce aroma, que os ares
embalsema,
Gira em torno do sábio Pomareiro;
E Alcipe absorta, bem que o
assunto tema,
Faz ressoar no monte sobranceiro
De
rouco Cisne a voz talvez extrema.
Se me aparto de ti, Deus de
bondade,
Que ausência tão cruel! Como é
possível
Que me leve a um abismo tão
terrível
O pendor infeliz da humanidade!
Conforta-me, Senhor, que esta
saudade
Me despedaça o coração sensível;
Se a teus olhos na cruz sou
desprezível,
Não olhes para a minha
iniquidade!
À suave esperança me entregaste,
E o preço do teu sangue precioso
Me afiança que não me
abandonaste.
Se, justo, castigar-me te é
forçoso,
Lembra-te que te amei, e me
criaste
Para
habitar contigo o Céu lustroso!»
De Três
Fílis
O Zéfiro em silêncio
lisonjeia
Destes vales os
álamos frondosos,
Doce frescura
espalham amorosos
Os regatos brincando
pela areia.
Lília
Que pouco um peito
aflito se recreia
Pelos templos de
Flora deleitosos!
Que objeto vêm com
gosto olhos chorosos,
Se a torrente das
lágrimas medeia?...
Márcia
Não vejo ser que o
peito não soçobre,
Nem tu, Mudança,
escutas meus clamores,
Por mais que os sons
variados neles dobre.
Entre teu leve manto
furta-cores
A ventura diviso, que
se encobre,
Deixando-me tragar
dos dissabores.
Fílis
Escassamente o sol já
se mostrava
Entre a sombra que as
luzes lhe encobria;
Dos pássaros o canto
que se ouvia
A ternura e saudades
inspirava.
Márcia
Já o mocho noturno se
escutava,
Que o retorno das
trevas prevenia;
O terror que no peito
meu descia
Triste lágrima dos
olhos me arrancava.
Lília
Larguei a voz então
aos surdos ventos,
Que nas cavernas
ásperas, com brados,
Convocavam os sustos
macilentos;
Aos soltos ais, nos
montes espalhados,
Não respondem os
seres sonolentos,
Que não há quem responda aos desgraçados»
Sonetos de Leonor Almeida Portugal Lorena Lencastre,
(1750 – 1839), in ‘Poemas
de Alcipe’