sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

O Manuscrito nos Confins do Mundo. Marcello Simoni. « O estrangeiro concordou: a pedra de draconite é mil vezes mais valiosa. Possui propriedades miraculosas»

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O Signo do Sagitário. Paris, noite de 26 de Fevereiro
«(…) Por momentos, Suger afastou a hipótese da confusão mental e perguntou-se se aquele homem não estaria mais lúcido do que parecia. Fixou o seu rosto, mas reparou que estava prestes a perder os sentidos, por isso afastou qualquer pensamento e, enquanto se concentrava, empunhou o fio e a agulha. Assim que sentiu a picada na carne, o desconhecido dobrou-se e torceu a boca numa expressão de dor. Tende paciência, pediu-lhe o médico, procurando manter-se firme, estou a coser a ferida. Remendais-me como a um velho trapo? Não cauterizais? O cautério servirá muito bem para marcar uma vaca, mas não, seguramente, para tratar um ser humano. Suger mantinha os lábios cerrados e os olhos fixos no seu trabalho, usando uma destreza que suscitaria a inveja de qualquer alfaiate. Terminada a sutura, deu-se conta de que o paciente recuperara os sentidos e aproveitou para retomar a conversa: quando referistes uma recompensa, faláveis a sério? O homem era a máscara do sofrimento, mas, apesar disso, teve ainda força para se dobrar e observar o tratamento. Depois continuou: se entregardes o objecto que este saco contém..., recebereis uma pedra preciosa. A sua voz era fraca, mas perceptível. Uma pedra preciosa? Foi o que eu disse... O desconhecido tentou manter-se sentado no chão, mas a dor obrigou-o a estender-se. Uma pedra de draconite. Suger repetiu a palavra saboreando cada sílaba. Draconite. Não se falava dela normalmente, e quando tal acontecia era em ambientes eruditos. Era preciso ter estudado o Naturalis Historia, de Plínio, o Velho, ou viajado por países longínquos, para conhecer a existência dessa pedra.
O seu desconcerto não devia ter passado despercebido ao homem, que o fixou insistentemente e carregou a dose: tendes alguma ideia do que se trata? Existem pedras extraídas do interior dos animais, pedras especiais com propriedades curativas, disse então Suger, voltando a mostrar-se sério. A draconite, o draconitide, é a mais rara. Diz-se que provém da cabeça do draco, uma serpente monstruosa. Apontou o dedo contra o interlocutor. Mas só um ingénuo acreditaria nas vossas palavras. O desconhecido fixou-o, desdenhoso. Afirmo a verdade, juro... E, como prova da minha sinceridade, vou recompensar-vos por me terdes tratado, dando-vos uma coisa do mesmo tipo. Abriu um saquito de pele que tinha prendido ao pescoço e entregou-lhe um estranho objecto. Pegai... e observai. No início, Suger julgou ter entre as mãos um pequeno animal morto, depois compreendeu que se tratava de outra coisa. Era uma pedra semelhante à raíz da mandrágora, mas revestida de uma espécie de pele. Apercebeu-se do cheiro a mofo que exalava sem conseguir perceber de que material era feita. Mas, entretanto/ reconheceu-a. Esta é uma pedra curativa conhecida por caprius, revelou. Provém das vísceras de uma cabra. Estais ao corrente do seu valor? Como qualquer médico que se digne, embora nunca tenha visto nenhuma antes. Trata as secreções oculares, as úlceras de estômago e as febres altas.
O estrangeiro concordou: a pedra de draconite é mil vezes mais valiosa. Possui propriedades miraculosas. Ainda assim, não desperdiceis o vosso tempo. Suger estava curioso, mas não a esse ponto. Tinha bem mais em que pensar, o último dos seus problemas era prestar atenção àquele estranho indivíduo. Ireis curar-vos da ferida, garanto. E relativamente a tudo o resto, tratareis disso sozinho. Provavelmente tendes razão, mas não é certo... O cavaleiro! O cavaleiro já me encontrou uma vez, mesmo depois de me ter escondido em Paris. Irá fazê-lo de novo... Seja do que for que se trate, são coisas vossas. Não me compreendeis, a missão é de importância vital...» In Marcello Simoni, O Manuscrito nos Confins do Mundo, 2013, Clube do Autor, Lisboa, 2014, ISBN 978-989-724-169-7.

Cortesia do CdoAutor/JDACT