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As Ordens Religiosas
A política de defesa e
colonização que possibilita o aparecimento dos importantes senhorios das Ordens
Militares determina também que a sua acção se desenvolva no centro sul do
território português em largos espaços que organizam quase completamente marcas
nas formas de povoamento. A implantação das Ordens Militares no espaço
português e peninsular pode considerar-se um fenómeno emergente de uma
necessidade paralela à que determinara a própria criação, ao longo do processo
de defesa do Santo Sepulcro. Com efeito, a sua instalação na península ibérica
está intimamente ligada ao processo de reconquista e povoamento do território,
tendo os seus membros significado um apoio fundamental para os primeiros reis,
na recuperação e manutenção de espaços em nome da cruz que derrubava o crescente.
Instituições então indispensáveis como dispositivo militar, a pouco e pouco
enriquecidas por doações e privilégios, elas viriam a transformar-se, ao longo
do tempo e com a estabilização dos vários reinos, em verdadeiras casas
senhoriais, que careciam de organização e apeteciam a quantos pensavam que
delas podiam beneficiar. A partir do séc. XV instala-se uma nova prática
económica, social e política, tendo de se olhar para o lugar histórico das
Ordens Militares sob outra perspectiva, cuja relevância estrutural, não cessa
de se revestir de fundamental alcance na vida colectiva portuguesa.
Desde muito cedo, vemos a família real
comprometida com o governo das Ordens, que passou a ser privilégio de príncipes
e infantes. Por exemplo, o infante Henrique foi governador da Ordem de Cristo. João
que deteve igual cargo na Ordem de Santiago e Fernando o malogrado infante de
Fez que foi, ele próprio mestre da Ordem de Avis, tal como o fora seu pai. A
Ordem de Cristo, ela coube em herança ao filho adoptivo de Henrique, seu
sobrinho Fernando, filho de Duarte I e irmão de Afonso V. E esta ordem jamais
saiu dessa família, tendo chegado a Manuel I, após a morte de seu pai, de seu
irmão mais velho, e de Diogo, apunhalado às mãos de João II. A Ordem de Cristo
continuava nas mãos do rei, que a recebera com os ducados de Viseu e Beja, por
morte de seu irmão. Seria João III que em 1551, viria a conseguir legalizar essa
identidade preconizada por João II, ao obter do papa Júlio III a bula, de 30 de
Dezembro de 1551, a partir da qual recebia a administração dos mestrados de
Avis e Santiago, unindo-as à Coroa, juntamente com o de Cristo, de que Manuel I
já era grão-mestre. No entanto, importa referir que a decisão tomada não se
aplicou igualmente a todas as Ordens. A milícia sediada no Crato seguiu um
caminho diferente, não sendo, naturalmente incorporada na coroa. A dependência
directa da casa-mãe, instalada na ilha de Malta a partir de 1530, terá impedido
o rei português de lhe dar o mesmo destino das restantes Ordens Militares, que
em Portugal constituíam instituições autónomas. Contudo, a preocupação com o
poderio da Ordem do Hospital era também uma realidade. Isso terá levado João
III a entregar o respectivo Priorado a descendentes régios. Seja o caso de Luís,
filho de Manuel I, que foi Prior do Crato a partir de 1528, sucedendo-lhe, após
a sua morte, seu filho natural, António. Esta era, em Portugal que detinha
menos poder económico. Na Chancelaria de Manuel I, também se pode verificar que
em termos de Documentação das Ordens, se observa num estudo que foi elaborado,
a partir dos 47 Livros da Chancelaria de Manuel I, que fica muito clara a
esmagadora maioria de documentos relativos à Ordem de Cristo, que se traduziu
em cerca de 45% da produção total, seguindo-se a Ordem de Santiago com 31%,
depois a Ordem de Avis com 18% e finalmente a Ordem do Hospital apenas com 5%. Sendo
que em relação aos registos das mesmas Ordens, a Ordem de Cristo ficou com
clara vantagem e o grosso dos registos em cada uma das Ordens se refere a
benefícios directos, intrínsecos à Ordem. Seguem-se as cartas de mercê ou
privilégios e, logo depois os ofícios. Um número igualmente significativo é o
das legitimações, que são seguidas, ainda que de muito longe, pelas Comendas e
Aforamentos. Em todos os casos a liderança é da Ordem de Cristo». In
Ana Santos Leitão, Arez da Idade Média à Idade Moderna, Tese de Mestrado,
Edições Colibri, Centro de História da Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa, 2013, CM de Nisa.
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