A Ordem de Cristo
«(…) Em 1490, dando resposta a um
pedido do administrador da Ordem de Cristo, o papa Inocêncio VIII concedia-lhe
o direito de ter conservatória, para registo de todos os actos do foro jurisdicional,
e de instituir dois juízes conservadores, que actuassem em defesa da milícia e
lhe fizessem guardar os seus privilégios. A assinatura do Tratado de Tordesilhas, a 7 de
Junho de 1494, que garantia a Portugal a navegabilidade do Atlântico,
do Brasil à India, exigia um poder soberano reconhecido e absoluto. Uma
autoridade régia que sairia notoriamente fortalecida pela instrumentalização da
Ordem de Cristo. Uma utilização legitimada pelas circunstâncias da sua fundação
e pelo percurso empreendido, tanto mais que, pela mão do infante Henrique, protagonizara
o projecto dinástico da expansão e dos descobrimentos portugueses. João II permitira-lhe
colaborar no processo de construção de um Estado Moderno, com ele aprendera estratégias
políticas e diplomáticas e, sobretudo, compreendera a razão de ser da Ordem de Cristo.
Nunca o articulado servir a Ordem é servir a Monarquia e vice versa
esteve tão vivo.
Reconhecendo as possibilidades
que uma instituição de perfil religioso lhe oferecia, o monarca foi rentabilizando-as,
legitimamente, em favor da consolidação do poder régio que devia mostrar-se nobre
e generoso, sobretudo para determinados grupos da sociedade, que pretendia, e
necessitava, privilegiar. Assim, a apropriação dos rendimentos eclesiásticos da
Ordem de Cristo fez-se sentir pelo controlo que exercia sobre o padroado das
igrejas afecto a esta instituição, nomeadamente nas novas áreas descobertas,
pelo recurso aos rendimentos dos mosteiros e igrejas paroquiais para
constituição das comendas, pela utilização dos bens da mesa mestral para
concessão de tenças, entre outros. Ao mesmo tempo, apoiando-se nos valores
espirituais e ideológicos veiculados pela milícia, projectaria ocupar Jerusalém
(entre os anos de 1505 e 1507), recuperando o ideal de Cruzada subjacente à
formação destas instituições monástico-militares, numa atitude que, sem dúvida,
conferiu à ideologia manuelina o cariz messiânico que a caracterizou. Desde a
reformulação dos direitos da Ordem nas áreas concelhias, à elaboração dos
regimentos de visitação, à obrigatoriedade de registo em tombos da informação
relativa às Comendas, Igrejas e Capelas, até à decisão de se proceder à
compilação de todos os documentos relativos à Ordem, é clara a semelhança com
alguns projectos régios, nomeadamente a organização dos Forais, a publicação de
regimentos, dos oficiais das cidades, vilas e lugares do reino (1504), das
Casas da Mina e Índia (1509), dos contadores das comarcas (1514), entre outros,
a elaboração de livros de Registo dos bens das capelas, hospitais, albergarias
e gafarias do reino e a cópia de diplomas da chancelaria régia nos livros da
Leitura Nova. A que acresce as Ordenações Manuelinas.
Um conjunto de concessões pontifícias
que se apresenta exemplar relativamente à actuação de Manuel I, rei e
administrador da Ordem de Cristo, pois, embora resultantes de circunstâncias políticas
determinadas pelo exercício do poder régio, não deixam de ter reflexos na Ordem
de Cristo. A apropriação, consentida, de rendimentos da igreja, que não só é feita
de forma directa, provenientes da Bula de Cruzada, como também de forma
indirecta, pela colocação de protegidos do rei em benefícios eclesiásticos e
comendas da Ordem de Cristo, embora abrangente das instituições régia e
mestral, contribui em termos finais, para a exaltação e consolidação da
primeira. Assim, enquanto que o processo da constituição das comendas novas da
Ordem de Cristo, que atingem mais de três centenas, se vai desenvolvendo, entre
os anos de 1514-1517, o Livro do Mestrado de Cristo do ano de 1514 regista um
acréscimo significativo das tenças pagas em numerário, confirmando o aumento, e
a distribuição dos rendimentos desta instituição». In Ana Santos Leitão, Arez da
Idade Média à Idade Moderna, Tese de Mestrado, Edições Colibri, Centro de
História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2013, CM de Nisa.
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