«(…) A actuação eminentemente
defensiva dos portugueses no início dos anos 30, deu lugar, por meados da
década, a uma estratégia de proto-ofensiva (em trabalho em curso definiremos
mais detalhadamente esta estratégia, que decorria do modelo de domínio/ocupação
do espaço habitualmente aplicado pelos reconquistadores. Baseando-se a
organização social do espaço típica do mundo islâmico na polarização urbana das
áreas regionais, começavam os cristãos geralmente por devastar os agros e
desarticular os circuitos de abastecimento; consumada a desestruturação
económica e a desorganização territorial, construíam fortificações em pontos
estratégicos avançados e atacavam os castelos integrantes do sistema defensivo
da cidade-alvo, enfraquecendo as defesas da urbe, cujo assédio empreendiam no
final), com tentativas de penetração na zona fora do efectivo controlo do
inimigo e operações de pilhagem em território muçulmano. Numa dessas acções, um
fossado empreendido em 1137, os cristãos sofreram um duro revés, em Tomar.
Apesar disso, a estratégia afonsina lograria dotar o território portucalense de
fronteiras mais meridionais e mais defensíveis, afastando razoavelmente Coimbra
do risco de assédio pelos sarracenos. Em contrapartida, as cidades taganas
ficavam mais perto das armas cristãs, tornando-se a sua conquista o objectivo
mais imediato dos portugueses. A vitória de Ourique, em 1139, e o declínio
almorávida, subsequente à morte, em 1143, do emir Ali ben Yusuf e à eclosão de movimentos
independentistas, constitutivos de novas taifas, permitiu a Afonso Henriques
fixar definitivamente a fronteira na linha do Tejo.
Conseguiu-o em 1147, após a
conquista de Santari; n e al-Us; buna e outras fortificações vizinha. A
Estremadura Interior e o Médio Tejo ficariam para sempre inscritas no espaço
cristão. Manteriam, porém, a sua condição de terra de fronteira por quase um
século mais. Ignora-se quase totalmente o que ocorreu na área tomarense nos
anos que se seguiram à sua conquista pelos cristãos, até ocorrerem, em 1159, as
primeiras iniciativas da coroa, documentadas, em vista ao seu repovoamento, ou
seja, a ocupação, ordenação do espaço e estruturação de poderes locais. Posto
que o território, de modo algum, se encontrasse ermado, seriam, sem dúvida,
acentuadas as carências demográficas de um espaço deprimido por oito décadas de
guerra permanente e pela intolerância de almorávidas e almóadas para com os
cristãos moçárabes, economicamente desestruturado, com os proprietários das
glebas em fuga e estas abandonadas ao seu destino. Cremos que o processo de
colonização desta área geográfica nos anos que se seguiram à conquista decorreu
sob a forma de presúria espontânea,
de provável origem coimbrã, dado que as circunstâncias de então inibiam o poder
régio de administrar o acesso à posse das terras devolutas. A toponímia de
reconquista aí presente reteve sobretudo nomes ele povoadores, muitos deles, talvez,
Presores,
abrangendo também designações étnicas, quer de imigrantes, Galegos, Francos,
quer de muçulmanos remanescentes (os topónimos Castelo de Paio Mendes,
Jamprestes, Janafonso, Martim Brás, Paieres, Paio Mendes, Pero Calvo,
Peroleiro, Vale Lourenço e ainda Galegos, Galeguia, Francos e Mourolinho; excluimos
outros topónimos relacionados com mouros, que supomos dependentes do imaginário
popular; note-se que a expressão Galegos abrangia, no século XII, os habitantes
da Galécia em sentido lato, isto é, todo o espaço a norte do Rio Douro: também
a designação Francos era empregue para referir quaisquer cristãos não peninsulares,
de acordo com Francisco Marsá). Em 1159, o castelo e o território de Ceras,
incluindo Tomar, foram porém doados pelo rei à Ordem do Templo, de direito
hereditário, com vista à sua defesa e povoamento (além dos direitos eclesiásticos
da mesma terra, isentos da jurisdição episcopal e sob protecção papal,
concedidos em substituição dos de Santarém, que os templários haviam recebido
após a conquista da urbe e viriam a ser reclamados pelo bispo de Lisboa). Com
tal senhorio, ao qual se juntava, em 1169, o dos castelos de Cardiga e Zêzere, e
o de Almourol, reconstruído em 1171, a ordem passava a deter importantes posições
estratégicas na margem direita do Tejo, com o controlo de acessos vitais a
Coimbra e Santarém. Abandonava-se, assim, o espontaneísmo que caracterizou o repovoamento
da área nos anos 50, gerador de uma sociedade fluida, baseada na pequena
propriedade vilã e na auto-organização em pequenas comunidades (concelhos
rurais)». In Manuel S. A. Conde, Os Forais Tomarenses de 1162 e 1174, Casa de
Sarmento, Centro de Estudos do Património, Universidade do Minho, Revista
Guimarães, nº 106, 1996.
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