«(…) A lógica da organização do
espaço apontava agora para a constituição de unidades territoriais de dimensão
apreciável, polarizadas por um aglomerado central, sede do poder senhorial e
para a constituição de uma sociedade hierarquizada. O castelo de Ceras, a norte
de Tomar, foi a primeira sede de poder, logo abandonada, alegadamente pelo
estado ruinoso em que a fortificação se encontrava. Outras razões seriam
porventura determinantes. Desde logo, a maior centralidade e relevância estratégica
do morro da margem direita do rio de Tomar (o Nabão dos nossos dias), dominando
este vale, no mais importante cruzamento viário da área (o morro da margem
direita reunia condições que, no contexto da época, eram consideradas ideais
para edificação de um castelo: le passage d’une rivière, la défense de ce
passage et l’adaptacion aux conditions naturelles. Porventura, também,
atendendo à tradição urbana da Almedina tomarense (em ocupação humana e polarização no espaço rural do Garb-al-Andalus:
o Médio Tejo à luz da toponímia
arábica, sustentámos a hipótese de o antigo lugar central da civitas de Sellium, porventura
esgotado no seu protagonismo no período germânico, ter ressurgido nos primeiros
séculos do domínio muçulmano, constituindo-se uma madina no morro da margem direita), note-se que a principal
porta da povoação intramuros ostentou, sob domínio cristão, aquela designação
árabe. A edificação, ou reforma? De poderoso castelo, em Tomar, iniciar-se-ia logo
em 1160. Coeva da fundação da estrutura castrense, posto que não exista
documentação abonando tal hipótese, deve ter sido a igreja de Santa Maria do
Castelo, no interior da Cerca. Outros estabelecimentos religiosos iam surgindo
na vila, nos finais do século XII, de grande importância na criação de relações
inter-individuais duradouras e de uma identidade colectiva (referimo-nos à
Charola, oratório dos templários, e à igreja de Santa Maria dos Olivais, erguida
sobre as fundações do antigo mosteiro dos monges negrados; a criação de
paróquias e a construção de novos templos, neste caso, de bem problemática datação,
têm sido consideradas indicador seguro de desenvolvimento urbano).
Com o surgimento desta vila castrense,
ressurgia, na sub-região, a vida urbana. O castelo, sede dos templários e
garantia de defesa do seu senhorio, era também pólo dinamizador do espaço
regional. Centro coordenador do aproveitamento agrícola do senhorio templário,
a partir dele se dirigia a fixação de colonos, o arroteamento de terras, a drenagem
do vale do rio de Tomar, onde se construíam canais e açudes, se promoviam a
olivicultura, se instalavam moinhos, azenhas e lagares (note-se que os
templários retomaram geralmente actividades experimentadas e bem sucedidas
localmente sob o domínio muçulmano). Centro receptor de rendas e tributos,
centro consumidor, era, assim, ponto de encontro de gentes de diversas origens
e, decerto, local onde decorriam trocas e fluía o numerário. Por isso, atraía e
fixava uma população crescente, cujos direitos e deveres urgia regular. A
primeira carta de foral concedida por Gualdim aos moradores de Tomar em
Novembro de 1162, aparecia assim em contexto de refundação de um pólo de uma
área fronteiriça, inserida numa estratégia senhorial, que encontrada no terreno
uma dinâmica sociopolítica fluida e espontaneísta, que importava gerir. Com
esse objectivo, mestre Gualdim outorgava carta de foral aos moradores de Tomar,
em Novembro de 1162. Era a primeira da área, vindo a servir de protótipo à
moderação institucional de diversos concelhos nela constituídos, senhoriais e
régios. Como atrás se disse, o regime jurídico outorgado pelos templários não se
distinguia, aparentemente, do direito concelhio outorgado pelo rei nas áreas
vizinhas da Alta Estremadura e da bacia do Mondego». In Manuel S. A. Conde, Os Forais
Tomarenses de 1162 e 1174, Casa de Sarmento, Centro de Estudos do Património,
Universidade do Minho, Revista Guimarães, nº 106, 1996.
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