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«(…)
Shalom, Miriam. Sou eu, Yosef. A figura esguia à frente de Yosef relaxou
visivelmente ao ouvir aquela voz familiar. Oh, Yosef, a sua voz ficou
embargada. Ele a olhou intensamente, com enorme compaixão. Ela estava pálida e
emocionada, mergulhada em imensa dor. Ele ergueu a mão, um gesto involuntário
para transpor a escuridão perfumada que os separava naquele jardim à luz da
lua. Yosef, sussurrou ela, não sei se vou conseguir suportar. Ele tentou
prevenir-me, e eu pensei que havia entendido. Ela tremia. O seu corpo
estremecia na escuridão. Yosef tomou-a pelos ombros e segurou-a com firmeza.
Ele não havia percebido a profundidade da sua própria dor até aquele momento. O
cabelo longo e escuro da moça reflectia a luz da lua, as lágrimas faziam os seus
olhos brilharem. Miriam, disse ele, suavemente. Mas parou de falar, hesitante.
Será que ela já não estaria angustiada demais? Mas ele prometera ao amigo que a
protegeria. E só havia uma maneira de fazê-lo: precisavam sair dali
imediatamente, aproveitando a escuridão da noite. Ninguém poderia prever quando
as autoridades apareceriam para buscá-la. Miriam, eu recebi um aviso. Temos que
sair de Jerusalém esta noite. Não é seguro continuar aqui. Pilatos e Herodes
Antipas podem estar à sua procura. Ela virou-se de costas para Yosef, os olhos
perdidos na escuridão. Lentamente, voltou-se de novo para ele.
Acha mesmo que preciso fugir?, a
sua voz era quase inaudível. Ele hesitou. Precisa, sim, Miriam. É a única
maneira. Prometi a Yoshua que a protegeria com a minha vida. Não há outra
escolha. Ela fez um gesto, demonstrando compreender. Está certo, Yosef. Eu sei.
Ele leu para mim as palavras de Miquéias, o profeta. Eu compreendo. É por causa
da promessa. Vou fazer como me pediu. Mas o que faremos com Marta e Lázaro? Yosef
balançou a cabeça. Eu não lhes contei para onde iremos. Disse apenas que vou escondê-la
na cidade. Até que o perigo acabe, ninguém deve saber que vamos partir. Por
enquanto, Marta e Lázaro ficarão aqui. Eles dirão que está doente, para que não
sintam a sua falta. Mais tarde, mandaremos buscá-los. Yosef havia planeado
tudo: viajariam como pai e filha, evitando ao máximo atrair a atenção. Ninguém
deveria saber qual era a identidade da jovem que o acompanhava. As autoridades
pensavam que eles tentariam fugir pelo mar, por isso os portos seriam os locais
mais perigosos. Em vez disso, preferiu seguir com ela por terra, atravessando o
deserto. Ele havia separado alguns artigos de primeira necessidade para a
jornada, mas dependeriam de amigos para ajudá-los até que chegassem ao destino
planeado. Fugiriam para o Egipto, para Alexandria.
Ele sorriu, um sorriso abatido. A
juventude e a beleza de Miriam eram tão cativantes... A Magdal-eder, a
fortaleza da filha de Sião, a torre do rebanho. Ela precisava partir,
aventurar-se pelos campos, viver no exílio. Exactamente como o profeta Miquéias
prenunciara. Mas, por meio dela; a soberania seria devolvida a Sião. Mais uma
vez, ele se sentiu maravilhado ao se lembrar do amigo que lhes mostrou os
versículos da profecia de Miquéias, falando do exílio, do retorno e do
restabelecimento da casa real de David. Ele, Yosef de Arimateia, recebera a responsabilidade
de zelar pela segurança de Miriam. E não decepcionaria o amigo.
Vamos partir agora, disse ele,
suavemente. Deixei os jumentos amarrados no portão. Falei com Lázaro e Marta.
Vamos mandar buscá-los quando o perigo cessar. Prometo. Ela sabia que o amigo
estava certo. Ficara o dia inteiro pensando que seria preciso fugir do ódio e
da inveja de Herodes Antipas, tão inseguro do próprio trono ao ponto de não
tolerar nenhum rival. E dos romanos também. Eles temiam uma insurreição da
nação judaica. O ódio dos judeus pelas forças romanas de ocupação era intenso.
E seu amor e entusiasmo pelo Filho de David, que fora tão brutalmente
executado, poderia iniciar uma revolução a qualquer momento. Era melhor que
fugisse, para que os rumores sobre o desaparecimento do corpo não gerassem um
confronto suicida do povo contra o poder das legiões romanas. Mesmo sendo ainda
tão jovem, ela sabia disso. O seu marido lhe havia explicado tudo, segurando-a
gentilmente enquanto ela derramava lágrimas no aconchego dos seus ombros. Ele
tentou confortá-la; e, pelo bem do homem a quem amava, ela tentara ser
corajosa. Mas não conseguiu e pôde ver nos olhos dele toda a angústia que
sentia pelo destino da mulher. Estou pronta, Yosef. Vamos partir». In Margaret Starbird,
Maria Madalena e o Santo Graal, Mulher do Vaso de Alabastro, Quetzal Editores,
colecção Referências, ISBN 978-972-564-624-3.
Cortesia
deSextante/QuetzalE/JDACT