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«(…) A emergência de campos históricos
enfatizando a economia e as relações sociais, por exemplo, abre um certo
conjunto de possibilidades e de novas leituras possíveis, inclusive permitindo
novas periodizações. Uma história económica ou social do Império Romano, por
exemplo, impõe cada qual o seu conjunto de recortes que em nada coincidirá com
o conjunto produzido pela história política do tipo que era tradicionalmente
realizado no século XIX. Seja no âmbito dos historiadores marxistas do século
XX, seja no âmbito dos historiadores que são influenciados pela abordagem económica
e social da primeira fase dos Annales,
surgem aqui novos modelos narrativos e analíticos que geram as suas próprias
periodizações. Apenas para citar o âmbito das análises marxistas, outros serão
os acontecimentos processuais que deverão ajudar a compreender a passagem da
Antiguidade à Idade Média.
Surgem aqui novas possibilidades,
considerando as duas definições da história propostas por Marx, de um lado a de
que a história é a história da transformação dos modos de produção, e,
de outro, a ideia de que a mesma é a história da luta de classes. Para o caso
do estudo da passagem da civilização romana para as civilizações medievais, impõe-se
de um lado o acontecimento processual da superação do modo de produção
escravista num Império que nos seus limites já não consegue conservar a acumulação
de mão de obra escrava; de outro lado, destacam-se as crises sociais do século
III como acontecimentos fundamentais. Conforme a análise marxista em questão
centre a sua atenção mais na ultrapassagem do modo de produção ou na luta
de classes, tem-se a possibilidade de matizes diferenciados dentro da análise
da passagem da Antiguidade Romana à Medievalidade Ocidental, segundo a abordagem
oferecida pelos princípios do materialismo histórico. Apenas para citar dois exemplos,
indicaremos as análises propostas por Staerman (1976) e por Andersen (2000).
Seria possível citar também como
exemplo de análise que traria a primeiro plano a economia na sua relação com a
sociedade a avaliação de Max Weber sobre a passagem da Antiguidade à Idade Média.
Também considerando importantes as transformações no regime de trabalho e
exploração económica, e avaliando tanto o colapso do sistema escravista como a
perspectiva da emergência de uma economia natural, Weber concede uma atenção
especial à passagem de uma civilização essencialmente urbanizada para uma
civilização que se vai ruralizando nos seus aspectos essenciais. Esta consideração
de que o traço essencial da Antiguidade Clássica é a combinação de escravismo e
urbanização leva Weber a examinar atentamente o desaparecimento gradual do comércio
local e de longa distância, já desde fins do século II.
É também uma explicação e uma periodização
atenta aos movimentos comerciais a que nos apresenta o medievalista belga Henri
Pirenne. Desenvolvendo uma tese que posteriormente desencadeou muitas críticas,
Pirenne destaca como acontecimento mais relevante no decurso de estabelecimento
da Idade Média um processo aparentemente político, mas que na verdade tem a sua
importância precisamente em virtude dos efeitos económicos que desencadeia. O
grande divisor de águas, para o historiador belga, é o acontecimento da expansão
islâmica no século VIII, precisamente porque, segundo a sua análise, o domínio islâmico
do Mediterrâneo Ocidental não apenas quebrará uma unidade mediterrânica que
teria caracterizado a Europa até ao século VIII, como porque ao fazer isso se
rompem os caminhos comerciais que sustentavam até então a vida material do
Ocidente Europeu, forçando o deslocamento do eixo político-geográfico da
nascente civilização do Ocidente Medieval para o centro da Europa». In
José D’Assunção Barros, Papas, Imperadores e Hereses na Idade Média, Editora
Vozes, 2012, ISBN 978-853-264-454-1.
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