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Da catedral até à casa de Beatriz, a marquesa de Moya, era uma curta distância.
Era aí que se iriam alojar durante a estada em Toledo. Fernando, Joana e Filipe
passaram da luz brilhante e do calor do Sol e do ruído da multidão para a sombria
sala do trono. Das paredes pendiam tapeçarias mostrando a prisão de Cristo, a
lavagem dos pés e Pôncio Pilatos atormentado pela sua dúvida. Não era uma atmosfera
muito alegre para receber o jovem e orgulhoso casal. Sobre um estrado ao fundo da
sala, via-se uma velha curvada, sentada no trono. Joana engoliu em seco. Isabel,
com um aspecto velho e doente, trajava inteiramente de negro, à excepção de uma
gola com pequenos motivos de setas douradas, incrustadas de rubis e pérolas. Apenas
duas damas acompanhavam a mãe: a sua amiga de longa data, Beatriz, e a homónima
de Joana, filha natural de Fernando.
Joana contemplou a mãe que pensara
não voltar a ver. O tempo e os acontecimentos haviam desafiado selvaticamente aquela
rainha, em tempos invencível. O corpo apresentava-se pesado e inchado, o rosto flácido
e profundamente enrugado, o cabelo grisalho. Joana tentou pegar na mão da mãe para
o beijo tradicional, mas Isabel impediu-a e, levantando-se com dificuldade, desceu
os degraus penosamente. Minha querida filha! Isabel abraçou-a, apertando-a contra
o amplo peito, beijando-a e chorando. E o nosso filho Filipe. Príncipe, sois muito
bem-vindo. Fez-lhe sinal para que se aproximasse, para receber o abraço de boas-vindas.
Espero que estejais totalmente recuperado.
Também ele se ofereceu para lhe beijar
a mão, mas ela retirou-a para lhe poder apertar os braços numa demonstração de afecto.
Joana traduziu a breve conversa. Bom, Filipe tem de ficar com o rei, enquanto
eu vos guardo para mim, minha filha. Santo Deus, já não sois uma menina, mas uma
mãe. Vamos para os nossos aposentos. Caminharam juntas, de braço dado, lentamente;
cada passo era para Isabel uma agonia. Uma vez no quarto e instalada
confortavelmente com Joana a seus pés, começou a interrogá-la. Estava ansiosa por
notícias dos três pequeninos deixados em Bruxelas. Eram saudáveis, com quem se pareciam,
quando teria os seus retratos e, ainda mais importante, quando viriam a
Espanha?
Depois vieram as perguntas difíceis.
Isabel exigia a verdade sobre o comportamento de Filipe para com Joana, as obrigações
religiosas da filha, auto-impostas ou não. Especificou os inúmeros rumores que guardara
cuidadosamente ao longo dos anos. Joana sentiu-se em terreno movediço, pois as informações
eram de uma precisão desoladora. Não se atrevia a responder, preferindo negar a
importância das perguntas. Preocupais-vos demasiado. Essas coisas, muitas exageradas,
pertencem todas ao passado e devem ser esquecidas. Contai-me sobre vós, pois haveis
sofrido muito mais que eu.
Isabel decidiu não insistir e, afinai,
a filha pareceu-lhe bem e feliz. Falou-lhe das mortes trágicas da família e de como
cada uma tinha sido um punhal espetado no seu coração. E as minhas irmãs, Maria
e Catarina? Estão ambas casadas e de boa saúde e as cartas delas dão-me um grande
consolo. Mas sinto-me muito só. Não há solidão que se compare à de um lar vazio.
Tenho uma profunda dor no coração que nada alivia e nada consegue tirar-me este
terrível peso da mágoa. Nem eu, mãe?, perguntou Joana de ânimo leve, sabendo
que sempre fora e sempre seria uma substituta secundária das irmãs no coração da
mãe». In Linda Carlino, That Other Joana, 2007, Joana, a Louca, Editorial
Presença, Lisboa, 2009, ISBN 978-972-234-231-5.
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