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Nada inventamos, nada criamos. Tudo existe. O nosso microcosmos é apenas uma
partícula ínfima, animada pensante, mais ou menos imperfeita, do macrocosmos. O
que nós julgamos descobrir apenas pelo esforço da nossa inteligência existe já
em qualquer parte. Que nos faz pressentir o que existe; é a revelação que nos
dá a prova absoluta. Muitas vezes passamos ao lado do fenómeno, até mesmo do
milagre, sem dar por ele, cegos e surdos. Quantas maravilhas, quantas coisas insuspeitadas
descobriríamos se soubéssemos dissecar as palavras, quebrar-lhes a casca e
libertar o espírito, divina luz que eles encerram! Jesus exprimia-se somente por
parábolas; poderemos nós negar a verdade que elas ensinam? E, na conversação
corrente; não serão os equívocos, os pouco mais ou menos, os trocadilhos ou
assonâncias que caracterizam as pessoas de espírito, felizes por escaparem à
tirania da letra e mostrando-se, à sua maneira, cabalistas sem o saberem?
Acrescentemos, por
fim, que o argot é uma das formas derivadas da Língua dos Pássaros, mãe
e decana de todas as outras, a língua dos filósofos e dos diplomatas. É o conhecimento
dela que Jesus revela aos seus apóstolos, enviando-lhes o seu espírito, o Espírito Santo. É ela que ensina o
mistério das coisas e desvenda as verdades mais recônditas. Os antigos Incas chamavam-na Língua da corte
porque era familiar aos diplomatas, a quem fornecia a chave de uma dupla ciência:
a ciência sagrada e a ciência profana. Na Idade Média, qualificavam-na de Gaia ciência ou Gaio saber,
Língua dos deuses, Deusa-Garrafa.
A tradição assegura-nos que os homens falavam-na antes da edificação da torre
de Babel, causa da perversão e, para a maioria, do esquecimento total desse
idioma sagrado. Hoje, fora do argot, encontramos as suas características
nalgumas línguas locais como o picardo, o provençal etc. e no dialecto dos
ciganos. A mitologia pretende que o célebre adivinho Tirésias tenha
possuído perfeito conhecimento da Língua dos Pássaros, que Minerva lhe teria
ensinado, como deusa da Sabedoria. Ele partilhava-a, diz-se, com Tales de
Mileto, Melampus e Apolónio de Tiana, personagens fictícios cujos nomes falam
eloquentemente na ciência que nos ocupa e bastante claramente para que tenhamos
necessidade de os analisar nestas páginas.
Com raras excepções,
o plano das igrejas góticas, catedrais, abadias ou colegiadas, apresenta a
forma de uma cruz latina estendida no solo. Ora a cruz é o
hieróglifo alquímico do crisol que outrora se chamava cruzol, crucible e croiset (na
baixa latinidade, cricibulum,
crisol, tem por raiz crux, crucis,
cruz, segundo Ducange).
Com efeito, é no crisol que a matéria-prima, como o próprio
Cristo, sofre a Paixão; é no crisol que ela morre, para ressuscitar em seguida,
purificada, espiritualizada, já transformada. Não exprime aliás, o povo, guardião
fiel das tradições orais, a provação humana terrestre por parábolas religiosas
e semelhanças herméticas, levar a sua
cruz, subir o seu calvário, passar no crisol da existência, são outras tantas locuções
correntes em que reencontramos o mesmo sentido sob um mesmo simbolismo. Não
esqueçamos que, à volta da cruz luminosa, vista em sonho por Constantino, apareceram
essas palavras proféticas que ele fez pintar no sem labarum: in
hoc signo vinces, vencerás por este sinal. Lembrai-vos
também, alquimistas meus irmãos, que a cruz
tem a marca dos três pregos que serviram para imolar o Cristo-matéria,
imagem das três purificações pelo ferro e pelo fogo. Meditai igualmente nesta
clara passagem de Santo Agostinho, no seu Diálogo com Trifon (Dialogus
cum Tryphone): O mistério do
cordeiro que Deus tinha ordenado que se imolasse na Páscoa diz ele, era a figura
de Cristo, com a qual aqueles que crêem tingem as suas
moradas, ou seja, eles próprios, pela fé que têm nele. Ora, este cordeiro, que a lei prescrevia
que se fizesse assar inteiro, era o símbolo de cruz
que o Cristo devia suportar. Porque o cordeiro, para ser assado, é
colocado de modo a figurar urra ztjz:
um dos ramos atravessa-o de lado a lado, da extremidade inferior até à cabeça;
o outro atravessa-lhe as espáduas e prendem-se nela os membros anteriores do
cordeiro, em grego, as mãos». In Fulcanelli, 1926, Le Mystère des
Cathédrales, 1964, O Mistério das Catedrais, Interpretação Esotérica dos
símbolos herméticos, Edições 70, colecção Esfinge, 1975.
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