«(…) A cruz é um símbolo muito
antigo, usado em todas as épocas, em todas as religiões, por todos os povos, e
seria errado considerá-lo como símbolo especial do Cristianismo, como o demonstra sobejamente o abade Ansault. Diremos mesmo que o
plano dos grandes edifícios religiosos da Idade Média, pela junção de uma ábside
semicircular ou elíptica ligada ao coro, adopta a forma do signo hierático egípcio
da cruz de argola, que
se lê ank e designa a Vida universal oculta nas
coisas. Pode ver-se um exemplo no museu de Saint-Germain-en-Laye, num sarcófago
cristão proveniente das criptas arlesianas de Saint-Honorat. Por outro lado, o equivalente
hermético do signo ank
é o emblema de Vénus
ou Cypris (em grego impura), o cobre vulgar que alguns, para velar ainda
mais o sentido, traduziram por bronze e latão. Branqueia o latão e queima os
teus livros, repetem-nos todos os bons autores. O sábio encontrará a nossa pedra até no excremento, escreve o
Cosmopolita, enquanto o ignorante não poderá pensar que ela esteja no ouro.
E é assim que o plano do edifício
cristão nos revela as qualidades da matéria-prima e a sua preparação através do
sinal da Cruz; o que
resulta, para os alquimistas, na obtenção da Primeira pedra, pedra angular da Grande Obra filosofal. Foi sobre esta pedra que Jesus construiu
a sua Igreja; e os
franco-maçons medievais seguiram simbolicamente o exemplo divino. Mas antes de
ser talhada para
servir de base à obra de arte gótica, tal como à obra de arte filosófica,
atribuía-se muitas vezes à pedra bruta, impura, material e grosseira a imagem do diabo. Notre-Dame de
Paris possuía um hieróglifo semelhante, que se encontrava sob o púlpito, no ângulo
do termo do coro. Era uma figura de diabo abrindo uma boca enorme e na qual os
fiéis vinham apagar os círios; de tal modo que o bloco esculpido aparecia sujo
de estearina e de negro de fumo. O povo chamava a essa imagem Maistre Pierre du Coignet, o que
não deixava de embaraçar os arqueólogos. Ora esta figura, destinada a
representar a matéria inicial da Obra,
humanizada sob o aspecto de Lúcifer
(que traz a luz, a estrela da manhã) era o símbolo
da nossa pedra angular, a pedra do
canto, a pedra mestra do Coignet. A
pedra que os construtores rejeitaram, escreve Amyraut,
foi transformada na pedra mestra angular sobre a qual repousa toda a estrutura
da construção; mas que é pedra de embaraço e pedra de escândalo, contra a qual
eles se batem para sua ruína. Quanto ao talhe dessa pedra angular, queremos dizer, a sua
preparação, podemos vê-lo representado num bonito baixo-relevo da época, esculpido
no exterior do edifício, numa capela absidal do lado da rua do Cloître-Notre-Dame.
Enquanto se reservava ao talhador de imagens a decoração
das partes salientes, atribuía-se ao ceramista a ornamentação do solo das
catedrais. Este era normalmente lajeado ou ladrilhado com placas de terra
cozida, pintadas e cobertas com esmalte plumbaginoso. Esta arte tinha adquirido
na Idade Média perfeição
bastante para assegurar aos temas historiados suficiente variedade de desenho e
de colorido. Utilizavam-se, igualmente, pequenos cubos de mármore multicores, à
maneira dos artistas bizantinos do mosaico. Entre os motivos mais frequentemente
usados convém citar os labirintos, traçados no chão, no ponto de intersecção da
nave com os transeptos. As igrejas de Sens, Reims, Auxerre, Saint-Quentin,
Poitiers, Bayeux conservaram os seus labirintos. No de Amiens via-se ao centro
uma grande laje com uma barra de ouro e um semicírculo do mesmo metal
incrustados, representando o nascer do sol acima do horizonte. Mais tarde,
substituiu-se o sol de ouro por um sol de cobre e este desapareceu por seu
turno, sem nunca ter sido substituído. Quanto ao labirinto de Chartres,
vulgarmente chamado
Ia lieue (por le lieue, o lugar) e desenhado sobre o pavimento da nave,
compõe-se de uma série de círculos concêntricos que se enroscam uns nos outros
com uma variedade infinita. No centro dessa figura via-se outrora o combate
de Teseu e do Minotauro. É ainda uma prova da infiltração dos temas pagãos
na iconografia cristã e, consequentemente, a de um sentido mítico-hermético evidente.
No entanto, não há razão para estabelecer qualquer relação entre estas imagens
e as famosas construções da Antiguidade, os labirintos da Grécia e do Egipto». In
Fulcanelli, 1926, Le Mystère des Cathédrales, 1964, O Mistério das Catedrais,
Interpretação Esotérica dos símbolos herméticos, Edições 70, colecção Esfinge,
1975.
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