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«O litoral ocidental da Península
Ibérrca era verdadeiramente o fim do mundo, o finis terrae, nome que os
Romanos deram a um cabo da Galiza, mas também podiam ter dado ao cabo da Roca ou
ao de S. Vicente. Colocada entre os Pirenéus e a costa africana, a Espanha estava
exposta às invasões do norte e do sul. Sem falar de povos pré-históricos, de um
lado da Europa vieram os Celtas, os Romanos, os Suevos e os Visigodos, do outro
os Fenícios, os Cartagineses e os Árabes. Do lado do Mediterrâneo, o sistema montanhoso
chamado Ibérico desenha com os Pirenéus um grande triângulo percorrido pelo
Ebro. Do lado atlântico aparece um outro triângulo, cujos lados são o litoral norte
ou cantábrico, o litoral oeste e, por terra, uma recta imaginária que fosse de Lisboa
até à fronteira das Astúrias com o País Basco; são estes os limites dos vários sistemas
de cordilheiras que desde os Montes Cantábricos se vão sucedendo até ao vale do
Tejo: o Maciço Galaico, os Montes Leoneses, e o prolongamento em direcção ao mar
do sistema central da Meseta, que é a serra da Estrela e adjacências.
Entre estes dois triângulos estende-se
o grande planalto suspenso como duas grandes abas, de um lado e outro sistema montanhoso
central (Guadarrama, Gredos, etc.) e que é limitado ao sul pela serra Morena. É
a Meseta Central, onde se situa o centro geométrico da Península. Nas duas abas
da Meseta estão as duas Castelas. Para além da serra Morena está a Andaluzia
com os seus pomares. A leste, com o rico vale do Ebro e os portos activos sobre
o Mediterrâneo, ficam o Aragão e a Catalunha. Nas serranias rochosas do Noroeste,
com as suas praias desertas, estão a Cantábria e a Galiza, onde nasceu Portugal.
A Meseta castelhana, amuralhada
nos seus três lados, sob um céu ardente, estava destinada a dominar ou a
perecer. O Noroeste ficava isolado, país de montanheses, com uma franja de pescadores,
condenados a um duro trabalho numa terra ingrata, ou à emigração. Quanto à Andaluzia,
foi sempre uma tentação para os viandantes do Norte ou do Sul, o Jardim das Hespérides.
Na zona oeste, o litoral oferecia um trânsito fácil no sopé das serras, ao longo
do mar, e isso permitiu que os montanheses do norte do Tejo descessem à
planície ao sul deste rio, onde se prolonga a Meseta castelhana, até ao litoral
fronteiro à África, continuação da Andaluzia. Por virtude desta estrada natural,
onde depois se implantou uma grande estrada romana e uma via de caminho de ferro,
Portugal, cujas raízes estão nos maciços isolados do Noroeste, pôde prolongar-se
ao longo do litoral, criando uma espécie de apêndice; e o Tejo, fronteira geográfica,
deixou de ser uma fronteira histórica. Mas a franja do litoral liga-se com a
zona semidesértica da Meseta castelhana.
Lisboa, no cruzamento da estrada litoral
com um rio profundamente navegável, situada no fim das montanhas e frente à planície
do Sul, viria a tornar-se a capital de uma nova entidade política, um pouco
híbrida, já em parte desprendida das raízes asturo-cantábricas e galegas. Considerando
a zona onde actualmente se encontram Portugal e a Galiza, vê-se imediatamente
que está dividida por rios paralelos, que a separam em fatias. O Minho separa a
antiga Galiza romana em duas partes, das quais a do sul, só, é actualmente portuguesa.
O Douro marcava a fronteira entre a Galiza e a Lusitânia romanas. e durante muito
tempo, na chamada reconquista, foi o limite da terra cristã. Entre o Douro e o
Tejo estão as Beiras, com as suas serras oblíquas à costa, zona de transição
entre o Norte e o Sul. A orientação das serras determina o curso do Mondego e estabelece
duas zonas: uma, ao norte da Estrela, leva a Coimbra, que é uma capital regional
natural, entre o Mondego e o Douro. Outra, no sul, conduz, por estradas naturais,
até Lisboa: é a Beira Baixa. Esta província tem uma função central, porque é
ela que estabelece a ligação, pelo interior, entre o Norte e o Sul. Na medida
em que tem a Beira Baixa como hinterland pelo interior, ao mesmo tempo que
se encontra na margem do Tejo e na estrada natural, Lisboa tem uma posição
chave em relação ao resto do País, mas especialmente até ao Douro. Finalmente, o
Tejo separa o Sul do Norte; mas as serras algarvias abrem uma concha sobre o mar
que tem pouco que ver com o Alentejo». In António José Saraiva, A Cultura em
Portugal, Teoria e História, Gradiva Publicações, 1994, 2007, ISBN
978-972-662-372-4.
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