«(…) A brilhante civilização tartéssica
não chegou a esses recessos isolados, onde o centeio era a base da alimentação.
E, em segundo lugar, que as zonas do litoral, até ao Tejo, foram mais sensíveis
à inovação técnica e aceitaram um arado mais evoluído ainda que o dos Iberos
de Tartessos e cuja proveniência nos parece problemática. E, de assinalar a
importância do Portugal ultramontano como centro de irradiação, pois o arado
desta região, o radial, é o que se encontra também nas regiões colonizadas
pelos portugueses (Açores, Madeira, Canárias, América do Sul e África). Quando,
na primeira metade do século XVI, um dos artistas que iluminaram as Ordenações
Manuelinas quis simbolizar as actividades agrícolas nacionais, representou
um lavrador a trabalhar a terra com um arado radial muito simples (sem
aivecas), o que parece mostrar que esse era o arado mais conhecido no País.
As conclusões a tirar deste mapa
parecem ser as seguintes: o arado dominante na região montanhosa do País (ao
norte do Tejo), o arado radial, é o mais primitivo que se conhece na Península.
Talvez abrangesse também a Galiza, depois colonizada pelos castelhanos. Por
outras palavras, seria o arado primitivo de todo o Noroeste peninsular. Ao sul
do Tejo, como na Andaluzia e na planície castelhana, predominava o arado, mais
complexo, chamado de garganta. Isto vai no sentido de caracterizar o
Noroeste montanhoso peninsular, do Tejo ao golfo de Biscaia, como uma região
cultural unida e isolada. O arado radial é, de resto, o mais fácil de transportar,
o que o torna apropriado à montanha. Mais tarde, uma civilização mais avançada
introduziu ao longo do litoral o arado quadrangular, fazendo recuar para a montanha
a zona do arado radial ou lusitano.
Está claro que esta
interpretação, baseada em indícios, só pode ser adiantada a título muito
provisório. O seu grande interesse está em nos ajudar a distinguir
historicamente, no actual rectângulo português, três grande zonas: o litoral
até ao Tejo (onde se encontram hoje em maior número as principais cidades de Portugal),
o além-Tejo e o além-montes ou Portugal interior. É corrente considerar-se o
Portugal interior como o mais isolado e por isso mais arcaizante. Segundo esta
perspectiva. O dinamismo teria vindo da costa. E, chegou-se a comparar o caso de
Portugal com o da Holanda, cuja formação depende toda do mar. Esquece-se que a
Holanda, como os países bálticos e os do litoral do Mediterrâneo, se encontra à
beira de mares interiores, semeados de ilhas e penínsulas e outras
reentrâncias, recortados de golfos e canais naturais, de modo que em cada ponto
há pouca distância de uma a outra terra. São mares de duas margens, quase
navegáveis a remo. Até onde remonta a História, houve sempre navegação nestas
águas.
Mas o mar português era um oceano
com uma margem só, donde se não podia partir sem receio de nunca mais voltar.
Até aos tempos próximos das grandes navegações foi um mar deserto e sem eco.
Veremos que apesar disso o litoral foi uma região muito povoada, ao mesmo tempo
que muito conservadora. Mas isso vinha provavelmente de ser uma zona de
planície ou peneplanície, mais facilmente arável do que as montanhas graníticas
do interior, o que, juntamente com a pesca e o sal, eram circunstâncias para
atrair uma população densa, como a que encontramos no litoral da Galiza e do
Norte de Portugal, já muito antes da fundação do reino. Acrescente-se ainda que
na Idade Média o Tejo e o Douro eram navegáveis desde o mar até perto da actual
fronteira portuguesa, e o Mondego até às abas da serra. Isso permitia uma simbiose
entre a montanha e o mar que ajudava a enraizar uma população». In
António José Saraiva, A Cultura em Portugal, Teoria e História, Gradiva
Publicações, 1994, 2007, ISBN 978-972-662-372-4.
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