domingo, 8 de julho de 2018

A Cultura em Portugal. António José Saraiva. «São mares de duas margens, quase navegáveis a remo. Até onde remonta a História, houve sempre navegação nestas águas.Mas o mar português era um oceano com uma margem»

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«(…) A brilhante civilização tartéssica não chegou a esses recessos isolados, onde o centeio era a base da alimentação. E, em segundo lugar, que as zonas do litoral, até ao Tejo, foram mais sensíveis à inovação técnica e aceitaram um arado mais evoluído ainda que o dos Iberos de Tartessos e cuja proveniência nos parece problemática. E, de assinalar a importância do Portugal ultramontano como centro de irradiação, pois o arado desta região, o radial, é o que se encontra também nas regiões colonizadas pelos portugueses (Açores, Madeira, Canárias, América do Sul e África). Quando, na primeira metade do século XVI, um dos artistas que iluminaram as Ordenações Manuelinas quis simbolizar as actividades agrícolas nacionais, representou um lavrador a trabalhar a terra com um arado radial muito simples (sem aivecas), o que parece mostrar que esse era o arado mais conhecido no País.
As conclusões a tirar deste mapa parecem ser as seguintes: o arado dominante na região montanhosa do País (ao norte do Tejo), o arado radial, é o mais primitivo que se conhece na Península. Talvez abrangesse também a Galiza, depois colonizada pelos castelhanos. Por outras palavras, seria o arado primitivo de todo o Noroeste peninsular. Ao sul do Tejo, como na Andaluzia e na planície castelhana, predominava o arado, mais complexo, chamado de garganta. Isto vai no sentido de caracterizar o Noroeste montanhoso peninsular, do Tejo ao golfo de Biscaia, como uma região cultural unida e isolada. O arado radial é, de resto, o mais fácil de transportar, o que o torna apropriado à montanha. Mais tarde, uma civilização mais avançada introduziu ao longo do litoral o arado quadrangular, fazendo recuar para a montanha a zona do arado radial ou lusitano.
Está claro que esta interpretação, baseada em indícios, só pode ser adiantada a título muito provisório. O seu grande interesse está em nos ajudar a distinguir historicamente, no actual rectângulo português, três grande zonas: o litoral até ao Tejo (onde se encontram hoje em maior número as principais cidades de Portugal), o além-Tejo e o além-montes ou Portugal interior. É corrente considerar-se o Portugal interior como o mais isolado e por isso mais arcaizante. Segundo esta perspectiva. O dinamismo teria vindo da costa. E, chegou-se a comparar o caso de Portugal com o da Holanda, cuja formação depende toda do mar. Esquece-se que a Holanda, como os países bálticos e os do litoral do Mediterrâneo, se encontra à beira de mares interiores, semeados de ilhas e penínsulas e outras reentrâncias, recortados de golfos e canais naturais, de modo que em cada ponto há pouca distância de uma a outra terra. São mares de duas margens, quase navegáveis a remo. Até onde remonta a História, houve sempre navegação nestas águas.
Mas o mar português era um oceano com uma margem só, donde se não podia partir sem receio de nunca mais voltar. Até aos tempos próximos das grandes navegações foi um mar deserto e sem eco. Veremos que apesar disso o litoral foi uma região muito povoada, ao mesmo tempo que muito conservadora. Mas isso vinha provavelmente de ser uma zona de planície ou peneplanície, mais facilmente arável do que as montanhas graníticas do interior, o que, juntamente com a pesca e o sal, eram circunstâncias para atrair uma população densa, como a que encontramos no litoral da Galiza e do Norte de Portugal, já muito antes da fundação do reino. Acrescente-se ainda que na Idade Média o Tejo e o Douro eram navegáveis desde o mar até perto da actual fronteira portuguesa, e o Mondego até às abas da serra. Isso permitia uma simbiose entre a montanha e o mar que ajudava a enraizar uma população». In António José Saraiva, A Cultura em Portugal, Teoria e História, Gradiva Publicações, 1994, 2007, ISBN 978-972-662-372-4.

Cortesia de GradivaP/JDACT