Com
a devida vénia à Doutora Adriana M. Guimarães.
Introdução
«(…) Ora, o processo de
modernização, que envolve a sensibilidade e a inteligência, se tem diferenciado
ao longo do tempo. Como apurou Tobias Barreto no texto Notas a lápis sobre a evolução emocional e
mental do homem, a questão abrange o descompasso entre o aperfeiçoamento
intelectual e o aperfeiçoamento moral, pois é possível que uma sociedade promova
reformas institucionais no intuito de alcançar melhor desempenho tecnológico e
maior riqueza material, sem que, no entanto, tais reformas impliquem qualquer
necessidade ou exigência de mudança mais profunda no homem em relação a si
mesmo, no que diz respeito a costumes, crenças ou gostos. É neste sentido que
Tobias Barreto, preocupado em promover reformas culturais mais profundas no
homem brasileiro, refere-se à possibilidade de uma evolução emocional e mental:
O problemático, o indecifrável
talvez, consiste em acompanhar com o pensamento a direcção ascensional da
monstruosa cadeia cujos anéis se contam por milénios. (…) Esta fonte de todo o
saber, a chamada mestra da vida, é mais negativa do que positiva; ela consiste
menos em adquirir verdadeiras ideias novas do que arredar velhas e falsas
ideias. Não é em vão, mas antes com muito senso, que o homem experimentado
costuma falar das suas desilusões. (…) Acresce ainda uma circunstância; e é
que, não obstante o longo decurso das idades, grande número de sentimentos
parecem ter ficados estacionários, e de um modo mais anómalo do que se observa
no domínio intelectual, onde também o progresso tem sido parcial e incompleto.
(Barreto, 1884)
A tentativa de compreender tal
problemática vai-se constituir então nesse sentido: o de pretender encetar uma
análise do entrelaçamento entre progresso intelectual e tradição cultural. Passemos
então, antes de mais, a observar que o termo moderno e seus cognatos têm muitos
sentidos (Habermas (2010, p. 21) lembra-nos que nas línguas europeias (…) a
partir do século XIX é que o adjectivo moderno
foi substantivado, e de novo pela primeira vez no domínio das Belas
Artes. Assim se explica a razão pela qual as expressões modernidade, Moderne, Modernität, modernité conservam
até hoje um cerne de significado estético marcado pela auto-compreensão da arte
de vanguarda).
Em geral, o termo é usado para distinguir a
novidade, que irrompe na sociedade estabelecida e anuncia uma mudança,
contrastando com a reiteração da forma de vida que continua o passado. Nesse
sentido, as vanguardas, as propostas novas de pensamento, a adesão a inovações
ainda que passageiras, podem ser qualificadas de modernas, qualquer que seja o
seu conteúdo. Porém, de um ponto de vista estrito, por moderna entendemos tanta
uma época da história do Ocidente que sucede à Idade Média, quanto a forma da
vida e pensamento próprios dessa época. Neste sentido, recorde-se, a ideia de
modernidade, indiciando a emergência de novas esferas do pensamento, está
associada ao que em geral se denomina filosofia moderna, e relacionada
especialmente com o pensamento europeu do século XVII. Ou seja, aquele saber
que tem como referências principais:
(...) o cartesianismo (…), a
ciência de natureza galilaica (…), a nova ideia do conhecimento como síntese
entre observação, experimentação e razão teórica baconiana (…) e as elaborações
acerca da origem e das formas da soberania política a partir das ideias de
direito natural e direito civil hobbesianas. (Chaui 1985, p. 60)
Tenhamos
presente, no entanto, que, em filosofia, toda a demarcação temporal (apreendida
num sentido restritivo) pode ser enganadora. Assim, ao falar da filosofia moderna,
talvez seja preferível reconhecer a existência de um mesmo campo de pensamento
e de discurso em contraposição aos da filosofia escolástica. Neste campo,
destacamos, portanto, a contraposição entre o saber fundado em bases racionais
e o saber fundado na fé ou crença. Afinal, sabemos que um dos grandes impactos
do cartesianismo consiste na rejeição de toda e qualquer autoridade no processo
de conhecimento, distinta da razão: devemos julgar por nós mesmos e só devemos
aceitar aquilo que podemos compreender claramente e demonstrar racionalmente». In
Adriana Mello Guimarães, A Modernização, Problema Cultural Luso - Brasileiro,
Um Estudo em Torno da Revista Portuguesa (1889-1892), Tese de Doutoramento em
Literatura, Évora, Instituto de Investigação e Formação Avançada, Setembro de
2014.
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