sábado, 7 de julho de 2018

Um Estudo em Torno da Revista Portuguesa (1889-1892). Adriana Mello Guimarães. «Tenhamos presente, no entanto, que, em filosofia, toda a demarcação temporal (apreendida num sentido restritivo) pode ser enganadora»

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Com a devida vénia à Doutora Adriana M. Guimarães.

Introdução
«(…) Ora, o processo de modernização, que envolve a sensibilidade e a inteligência, se tem diferenciado ao longo do tempo. Como apurou Tobias Barreto no texto Notas a lápis sobre a evolução emocional e mental do homem, a questão abrange o descompasso entre o aperfeiçoamento intelectual e o aperfeiçoamento moral, pois é possível que uma sociedade promova reformas institucionais no intuito de alcançar melhor desempenho tecnológico e maior riqueza material, sem que, no entanto, tais reformas impliquem qualquer necessidade ou exigência de mudança mais profunda no homem em relação a si mesmo, no que diz respeito a costumes, crenças ou gostos. É neste sentido que Tobias Barreto, preocupado em promover reformas culturais mais profundas no homem brasileiro, refere-se à possibilidade de uma evolução emocional e mental:

O problemático, o indecifrável talvez, consiste em acompanhar com o pensamento a direcção ascensional da monstruosa cadeia cujos anéis se contam por milénios. (…) Esta fonte de todo o saber, a chamada mestra da vida, é mais negativa do que positiva; ela consiste menos em adquirir verdadeiras ideias novas do que arredar velhas e falsas ideias. Não é em vão, mas antes com muito senso, que o homem experimentado costuma falar das suas desilusões. (…) Acresce ainda uma circunstância; e é que, não obstante o longo decurso das idades, grande número de sentimentos parecem ter ficados estacionários, e de um modo mais anómalo do que se observa no domínio intelectual, onde também o progresso tem sido parcial e incompleto. (Barreto, 1884)

A tentativa de compreender tal problemática vai-se constituir então nesse sentido: o de pretender encetar uma análise do entrelaçamento entre progresso intelectual e tradição cultural. Passemos então, antes de mais, a observar que o termo moderno e seus cognatos têm muitos sentidos (Habermas (2010, p. 21) lembra-nos que nas línguas europeias (…) a partir do século XIX é que o adjectivo moderno foi substantivado, e de novo pela primeira vez no domínio das Belas Artes. Assim se explica a razão pela qual as expressões modernidade, Moderne, Modernität, modernité conservam até hoje um cerne de significado estético marcado pela auto-compreensão da arte de vanguarda).
 Em geral, o termo é usado para distinguir a novidade, que irrompe na sociedade estabelecida e anuncia uma mudança, contrastando com a reiteração da forma de vida que continua o passado. Nesse sentido, as vanguardas, as propostas novas de pensamento, a adesão a inovações ainda que passageiras, podem ser qualificadas de modernas, qualquer que seja o seu conteúdo. Porém, de um ponto de vista estrito, por moderna entendemos tanta uma época da história do Ocidente que sucede à Idade Média, quanto a forma da vida e pensamento próprios dessa época. Neste sentido, recorde-se, a ideia de modernidade, indiciando a emergência de novas esferas do pensamento, está associada ao que em geral se denomina filosofia moderna, e relacionada especialmente com o pensamento europeu do século XVII. Ou seja, aquele saber que tem como referências principais:

(...) o cartesianismo (…), a ciência de natureza galilaica (…), a nova ideia do conhecimento como síntese entre observação, experimentação e razão teórica baconiana (…) e as elaborações acerca da origem e das formas da soberania política a partir das ideias de direito natural e direito civil hobbesianas. (Chaui 1985, p. 60)

Tenhamos presente, no entanto, que, em filosofia, toda a demarcação temporal (apreendida num sentido restritivo) pode ser enganadora. Assim, ao falar da filosofia moderna, talvez seja preferível reconhecer a existência de um mesmo campo de pensamento e de discurso em contraposição aos da filosofia escolástica. Neste campo, destacamos, portanto, a contraposição entre o saber fundado em bases racionais e o saber fundado na fé ou crença. Afinal, sabemos que um dos grandes impactos do cartesianismo consiste na rejeição de toda e qualquer autoridade no processo de conhecimento, distinta da razão: devemos julgar por nós mesmos e só devemos aceitar aquilo que podemos compreender claramente e demonstrar racionalmente». In Adriana Mello Guimarães, A Modernização, Problema Cultural Luso - Brasileiro, Um Estudo em Torno da Revista Portuguesa (1889-1892), Tese de Doutoramento em Literatura, Évora, Instituto de Investigação e Formação Avançada, Setembro de 2014.

Cortesia de UdeÉvora/IIFA/JDACT