13
de Julho de 1793
«(…) Famintos, suportavam
condições indigentes. Também não foi difícil entender o valor e a delicadeza do
que aquelas naus transportavam. O ministro quis-lhes perguntar se tinham sido os
ventos a empurrá-los para o vórtice do oceano, ou se fugiam de alguma coisa, mas
manteve a postura de Estado: a que nada depreende e tudo finge compreender. Como
certamente entenderá, tenho de me certificar se não existem intenções antagónicas
aos interesses do reino. Para ordenar a entrega da ajuda, preciso de fazer a vistoria
às embarcações. Realizadas estas diligências, avançarei com o pedido imediato de
vos fazer chegar tudo o que necessitam. Compreendo e tem a minha autorização. No
entanto, as princesas não podem ser vistas por ninguém. Isso é inultrapassáve1.
O ministro relevou. O tremendo desconforto que sentiu junto deste homem
compactuou com a estranheza dos seus costumes. Não se quis alongar nas exigências,
nem gerar motivo de discussão. Assentiu. Voltou a terra, tomando um bergantim.
Enquanto remavam os barqueiros, logo aproveitou para conferenciar com o seu secretário:
pois são três as ordens que deve apontar: que vistoriem todas as divisões acessíveis
dos barcos exceptuando o local onde se concentram as princesas ou as concubinas;
que se organize rapidamente o transporte com toda a água e mantimentos necessários
para as pessoas subsistirem dignamente durante uns quantos dias. Quantos dias, meu
senhor?, indagou o secretário. Três ou quatro, e calculo que esteja tudo resolvido.
Assim seja. E como sabemos que são
as princesas que estão nesse tal compartimento. Ou melhor, como o transmito, meu
senhor, aos homens da vistoria? Como quer que eu saiba?, sussurrou. Gente estranha
esta... Porque não se apresentam ordeiramente e sem mais delongas, é do seu interesse
ver os seus estômagos aquietados... Desculpe, meu senhor esta ousadia; vou já
tratar do que me ordenou. Eu compreendo-o..., senti o mesmo. Estas mulheres são
como diamantes num pedestal. Devem ser isso mesmo, troçou no tom de quem não tem
interesse em entender. Passou a mão pelo ombro do secretário e pulou para a estrutura
de madeira. Já no cais, chamou o cocheiro para preparar a viagem de retorno ao Palácio
das Necessidades. Havia que abalar para dar parecer ao rei. Meu senhor, que mais
quer que execute em seu nome, qual a terceira ordem? Ah, tem toda a razão! Sem demora,
mande chamar frei João Sousa, sem demora. Ele é o único que as vai compreender.
18
de Julho de 1793
Na quinta-feira, frei João Sousa
dormia sem se cobrir, com a bochecha espalmada no livro que o acompanhara até fechar
os olhos. Estava numa ponta da cama tentando apanhar toda a luz possível de uma
vela que ardera por completo e se desfizera na mesinha-de-cabeceira. Esse hábito
de ler até tarde à luz da perigosa vela ainda um dia o leva para os braços de Nosso
Senhor. Há-de concordar, meu amigo, que morrer queimado a 1er livros santos, e com
porta garantida para o céu, como bem sabemos que terá frei João, seria uma ironia
sem explicação, alertava-o frei Manuel do Cenáculo quando a apagava na ronda da
meia-noite. Desta vez a cera desfizera-se na madeira de carvalho do móvel, maltratada
por muitas outras velas. Frei João acordou com as pancadas no lado exterior e foi
inundado pela estranha sensação de adormecer e entrar num sonho, não o
contrário. É com pena que o venho perturbar, mas na biblioteca aguarda-o um recado
importante. Há missão urgente à sua espera. Aí vou, um minuto!» In Raquel
Ochoa, As noivas do Sultão, 2015, Edições Parsifal, 2015, ISBN
978-989-876-008-1.
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