[…]
VIII
«Resíduos astrais.
Ruídos do dia.
Ruínas do céu e da
noite.
Acção e movimento.
Lume que secou em carne,
A carne é a cinza da luz.
Esquecer é em pedra
enxugar nuvens.
Estrelas em corpos de
animais.
O esquecimento é o inferno.
Lembrar
é acordar a luz da
noite.
Inverter a terra
e desfazer as coisas.
As estrelas estão carregadas
de memória.
São a saudade do mundo.
Os desenhos pintados
do futuro.
Lembrar
é adormecer a matéria.
Acordar as formas puras
e os fogos.
Acender os sons
e os nomes.
Atear fogueiras com os
olhos.
A lembrança é o céu.
Bate-se memória contra memória
e as pedras voltam a arder.
Rochas porosas
desmaterializando ao rubro.
Animais em luz enxugando
o sangue.
Pérolas descondensando
a dureza do vidro.
Metais explodindo em sóis.
Pedras suando gases.
Terra germinando estrelas.
Ruídos a adormecer
em silêncio nocturno.
Os astros são o fogo da
terra.
O fogo é um produto da
memória.
Lembrar é
libertar devaneios.
Lembrar é desfazer o dia.
Lembrar é
dizer uma palavra
que faça transpirar as pedras.
Uma palavra
que traga a memória do sol
e escureça o mundo».
Poema de António Cândido Franco, in ‘Estâncias Reunidas’
In António Cândido Franco, Estâncias Reunidas, 1977-2002, Quasi
edições, biblioteca Finita Melancolia, Vila Nova de Famalicão, 2002, ISBN
972-8632-64-9.
Cortesia de Quasi/JDACT