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IX
«As luminárias o céu mascaram.
Os géneros imitando o
sol e a lua.
Os planetas
condensando em força e
cor
o que aos homens
acontece.
Os nomes escondendo as
coisas.
E as coisas dos nomes
saindo.
A noite é uma câmara
escura.
O céu é uma arca
um guarda-roupa completo
onde do dia se guardam
as máscaras físicas.
Cartografia do destino.
Pelas pedras troque-se a
luz
para dos corpos se
perceber o toque.
O céu está cheio de
almas
de desenhos bordados a
pespontos
que são os tipos
primeiros.
O céu está cheio de
nomes
que são da terra
as essências do
povoamento.
Do céu na fazenda
as constelações
pesponteando
os acontecimentos do dia
e de modelo servindo à
Vida.
A terra é do avesso o
céu.
O céu é um palco
onde em estrelas
a noite revela a vida
terrestre.
Figuras nocturnas que
são do dia
a eterna memória.
Constelações desenhando
da vida os tipos.
Astros vivos e
perfumados
como da terra flores
orvalhadas.
Astros vivos e selvagens
como terrestre flora
vegetal.
Astros tão ausentes como
palavras.
Falemos de Sírio
como exemplo.
No céu esta estrela
da terra é uma bela e
terrível flor.
Flor que de carne se
alimenta.
Nome
que as suas coisas
devora.
Espírito puro.
Palavra imaterial.
Intensos são os seus
raios.
Irradia deles uma fria luz
azal
onde embriões se coam de
sangue.
Falemos ainda
de outras estrelas.
A Polar é uma flor
branca
de pétalas frias
que um joalheiro celeste
esculpiu para ficar
imóvel.
Tem um caule de vidro
sujo
com dedadas fortes
e tempestades.
É preciso a terra do
avesso voltar
virar-lhe as mangas
o forro lhe puxar»
Poema de António Cândido Franco, in ‘Estâncias Reunidas’
In António Cândido Franco, Estâncias Reunidas, 1977-2002, Quasi
edições, biblioteca Finita Melancolia, Vila Nova de Famalicão, 2002, ISBN
972-8632-64-9.