As
Lágrimas do Papa
A Fundação Meyer
«(…) Francis Marlane compareceu à
Fundação Meyer na sexta-feira seguinte. Eram 10 horas em ponto quando mostrou a
sua identidade à recepcionista, no saguão da entrada. Um crachá de visitante
foi-lhe entregue. A recepcionista chamou o professor Mosèle pelo comunicador.
Enquanto aguardava que o amigo viesse buscá-lo, Marlane observou o local, como
de hábito. Um saguão moderno, sem nenhuma originalidade. As paredes eram
brancas e verdes. Cactos enormes plantados em vasos de barro. Dois elevadores
vigiados por um segurança. Uma porta que dava para uma escada. Mosèle saiu de
um dos elevadores e caminhou em grandes passadas para receber o amigo. Ele
mostrou o relógio de pulso com o indicador direito e uma expressão admirativa. Bom-dia,
Francis. Que pontualidade! Eis, ao menos, uma grande diferença no nosso carácter.
Eu lhe disse, sou meio obsessivo. A minha mulher se queixa muito. Depois eu lhe
conto... Foram para o elevador. Mosèle apertou o botão do quarto andar. O
segurança, lá em baixo, começou Marlane, é um verdadeiro armário. Essa fundação
é tão bem-vigiada quanto o Banco da França. É a síndrome paranóica dos meus
directores! Tudo isso porque recebemos algumas cartas anónimas de ameaça, sem
dúvida provenientes de integristas pirados. Sorria. Você está sendo filmado! Mosèle
mostrou o olho de uma câmara num dos cantos do elevador.
A Fundação está cheia delas,
acrescentou. Chegando ao quarto andar, seguiram por um largo corredor que dava
acesso a várias salas envidraçadas, banhadas por luz artificial ligeiramente fluorescente,
onde trabalhavam homens e mulheres de guarda-pó branco, touca e luvas de
plástico branco. Salas de cirurgia?, brincou Marlane. Quase. São câmaras de
depuração. E ali que os rolos 4Q456-458 são esticados, tratados e identificados
com números e códigos antes de serem digitalizados. As cópias são imediatamente
enviadas para o meu departamento, encarregado de reconstituir o quebra-cabeça.
Marlane aproximou-se da divisória
envidraçada. Do outro lado, dois laboratoristas estavam debruçados sobre uma
tira de pergaminho em péssimo estado, que eles tentavam colocar entre duas
placas de vidro, tomando muito cuidado para não rasgá-la. Gestos minuciosos,
lentos... Gestos de cirurgiões. Mosèle convidou Marlane a prosseguir. Inicialmente,
tive de examinar detalhadamente e classificar os textos anteriores ao
4Q456-458. Um trabalho de beneditino... A equipa que dirijo e eu nos demos
conta de que dois rolos com os números Q238-239 haviam desaparecido,
especificou ele. Desaparecido? Quer dizer que eles não são mencionados nem na
Escola Bíblica de Jerusalém? Ao menos foi isso que me responderam as
autoridades da Escola Bíblica: os Q238-239 evaporaram! E não há nenhum meio de
pôr as mãos, ao menos, num fac-símile. No entanto, eles são citados na recente
edição da Nomenclatura dos manuscritos. Tenho de me virar sem eles. Perturbador...,
murmurou Marlane. Não tanto quanto a professora Moustier, que se aproxima com o
seu rebolado de mulher fatal, disse Mosèle, conduzindo o amigo por outro corredor.
Mosèle indicou discretamente uma
jovem loura que vinha na direcção deles. Ela avançava gingando, vestida com um tailleur
acinzentado, composto de um casaco fechado por dois botões brancos e uma saia
recta na altura dos joelhos. Eu achava que esse tipo de mulher só existia no
cinema. Ou na lembrança dos meus sonhos de adolescente, disse Marlane. Mosèle
apresentou o amigo à professora. Com um ligeiro sotaque alemão, ela exclamou: Francis
Marlane... O Marlane de Apologética
e teologia mágica? Puxa,
leu esse livro?, surpreendeu-se o historiador. Eu avisei: tem admiradores no
meu departamento, explicou Mosèle. Mesmo assim, prosseguiu Marlane. Apologética não é uma
grande distracção. Uma súmula que faz parte do meu período universitário... Meio indigesto, não?
A professora Moustier não
compartilhava da opinião. Ao contrário, era raro ler algo tão cativante! Com um
sorriso afectado, ela expressou o desejo de conversar em breve com Francis
Marlane e, quando Mosèle lhe disse que o amigo se preparava para se reunir à
equipa, jurou tratar-se de uma notícia maravilhosa. Em seguida, deu meia-volta
e, como uma modelo desfilando de salto alto na passarela, afastou-se, deixando
Marlane em estado de choque. Hélène Moustier é um pouquinho exagerada, Francis.
Você notou, não é? Um pouquinho, sim... Sem dúvida, é isso que contribui para o
seu charme. Os dois homens chegaram diante de uma porta vermelha. A cor
surpreendeu Marlane. Todas as demais portas eram verdes. Gosto de ser diferente,
disse Mosèle. E adoro este vermelho... A direcção aceita algumas das minhas
originalidades. Atenção, está preparado? Para o quê? Espantou-se Marlane. Prenda
a respiração. Vamos entrar no meu escritório! E Mosèle abriu a porta vermelha».
». In Didier Convard, O Triângulo Secreto, As Lágrimas
do Papa, Editora Bertrand Brasil, 2012, ISBN 978-852-861-550-0.
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