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«(…) E, quanto a datas.
algarismos, etc., haverá alguma coisa que impeça Bernardim Ribeiro de ser o
autor do Crisfal? Carolina, fiada no famoso documento judicial de 1642,
sustentava a impossibilidade cronológica. Mas já vimos, no primeiro parágrafo
desta Introdução, o que devemos pensar da valia desse e de outros documentos. É
impossível, portanto, argumentar com algarismos; e as razões que tenho estado a
expor são bastante poderosas para os dispensar. Que resultado final se obtém de
tudo isto? Vou apresentar ao Leitor urna hipótese que enfiará num colar as contas
dispersas e desarticuladas que lhe venho apresentando. Cristóvão Falcão foi, na
verdade, um herói da aventura que lhe atribui o primeiro editor da Menina e
Moça; e toda a corte se interessou pela triste sorte do fidalguinho infeliz,
namorado e preso. Bernardim Ribeiro, conhecedor da carta em verso que ele
dirigira a Maria e que, possivelmente, correra de mão em mão, escreveu a Écloga
pondo em cena o próprio Cristóvão Falcão sob o disfarce transparente do nome de
Crisfal, formado das sílabas iniciais do nome dele. A Écloga correu anónima
porque Bernardim Ribeiro, por qualquer razão, se não quis assinar como autor
dela; e, por um processo naturalíssimo, pois Cristóvão Falcão era o herói da
aventura e o autor da Carta, foi atribuída a este pela bisbilhotice
palaciana. Daqui facilmente o boato chegaria aos ouvidos dos Usques, que o
reproduziram com todas as cautelas, e, por intermédio deles, até nós. Bem sei
que é esta uma hipótese como qualquer outra; mas tem sobre a hipótese de Delfim
Guimarães e a hipótese tradicional a superioridade, pelo menos, de não ser
inverosímil.
E passemos a outra
meada.
A novela que conhecemos
pelo nome de Menina e Moça aparece separada, na edição de Évora (1557),
em duas partes muito diferentes entre si, tanto pelo carácter literário como
pelo desenvolvimento do enredo: ao passo que a Primeira Parte é idílica e se
desenvolve a partir de um ponto, num movimento contínuo, sem quebras, a Segunda
Parte é uma série de histórias de cavalaria, sem unidade de desenvolvimento, contíguas,
que se interrompem para dar passagem umas às outras.
Esta diversidade deu origem a uma hipótese segundo a qual a segunda
parte da Menina e Moça seria escrita por um continuador com o fito de
declarar, isto é, dar acabamento à história começada e evidentemente
incompleta. Não seria caso desusado; e a hipótese era fortalecida pelas enormes
contradições existentes entre as duas partes. Mas a edição de Ferrara (1554)
vem destruir esta hipótese porque dá Bernardim Ribeiro como autor de dezassete
capítulos da Segunda Parte; e aceite a autenticidade destes dezassete
capítulos, ficamos autorizados a aceitar a de todos os restantes, porque os
editores de Ferrara utilizaram um traslado evidentemente incompleto ou
truncado. António Salgado Júnior acaba de propor a autenticidade dos sete
capítulos que se seguem ao capítulo final da edição de Ferrara, com argumentos
que não é fácil rebater». In António José Saraiva, Poesia e Drama,
Estudos sobre Bernardim Ribeiro, Gradiva Publicações, Lisboa, 1996, ISBN
972-662-477-0.
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