«(…) No governo, confirmado pelo novo Monarca, achavam-se o duque de Saldanha
na Presidência do conselho e na pasta da Guerra; no Reino Rodrigo da Fonseca Magalhães;
na Justiça Frederico Guilherme; na Fazenda Fontes Pereira de Melo; na Marinha visconde
de Athoguia. Fontes tinha também a pasta das Obras Públicas, e Athoguia a dos Estrangeiros.
Eram ainda os representantes da revolução, ou antes da revolta de 1851. E era com
eles que o Rei tinha de governar, emquanto os factos não lhe aconselhassem ou impuzessem
uma mudança de ministério. O primeiro acto, praticado por D. Pedro, foi a instituição
da Caixa Verde. Dois dias depois da aclamação, aparecia na folha oficial este anúncio
na última página do periódico:
O Camarista de Semana previne
o Público que do dia 20 do corrente mês em diante, Sua Magestade El-Rei não receberá
requerimentos, nem papéis alguns na rua, e que para este fim se mandarão no
Real Paço das Necessidades, junto á portaria do antigo convento, colocar duas caixas
para os receber; uma, pintada de azul, destinada aos requerimentos que tendam a
obter socorros ou esmolas; outra, pintada de verde, para as súplicas dirigidas a
outros fins. Igualmente se previne que todos os sábados as pessoas interessadas
ali poderão ir receber o despacho das suas súplicas do meio dia ás duas horas da
tarde. Paço das Necessidades, 18 de Setembro de 1855, conde de Linhares, Camarista
de Semana.
Estava aqui a origem dos
maiores dissabores que o Rei havia de ter por muito tempo, emquanto a Caixa não
fosse retirada, e das desavenças constantes entre ele e os seus ministros. O Rei
não despachava sem ler primeiro os decretos, demorando, por vezes, alguns para os
estudar, pedindo informações que o habilitassem a dar uma referenda concienciosa.
Dez dias depois de ter principiado o seu governo escrevia D. Pedro a Rodrigo da
Fonseca:
Como ontem ao despacho não
houvesse o tempo para lê-lo (um regulamento) e como eu não quero poder acusar-me
de ter assinado um papel sem o ter lido, fiquei com ele até esta manhã; que só agora
achei o tempo para lê-lo.
E a Saldanha dizia:
Eu não desejo autorisar medida
alguma que eu não tenha estudado. Desejo sempre estar seguro e em plena
consciência do que faço.
A Caixa Verde funcionava
sem novidade. Em 25 de Setembro dizia D. Pedro a Rodrigo:
Entre os papéis que hoje
recebi da Caixa achei uma representação sobre a gerência administrativa da
Santa Casa da Nazaré. Se os factos são verdadeiros merecem algum remédio, sobretudo
o corte de pinhais de que nela é acusada a Administração.
Faria Rodrigo obra pelas
denúncias anónimas lançadas na Caixa Verde? Não é de crer. A maior parte dos decretos
vinham glosados pelo Rei. Os dois de 28 de Novembro, um aprovando os novos estatutos
dos sócios do Montepio das Secretarias do Estado e outro a Caixa de Socorros Mútuos
voltavam acompanhados de comentários feitos por seu punho. Esta interferência
activa do Rei nos negócios públicos, o desejo de os estudar, provinham principalmente
da educação que recebera. O Rei, era na sua principal feição, um escolar, trabalhando
no seu gabinete e tendo prazer no esforço da sua inteligência. Aos dezoito anos
sabia tudo, porque muito lhe tinham ensinado e muito também tinha aprendido nos
livros, nas viagens e no trato com os homens eminentes do seu país.
Deixando a mestra dona Maria
Carolina Mishisch, fora em 5 de Agosto de 1847, aos 10 anos, entregue aos cuidados
de Martins Bastos que lhe ensinou latinidade. Dirigiu-lhe toda a educação o visconde
da Carreira, como seu aio, e cujos serviços D. Pedro retribuiu com a maior dedicação.
Entregue ao compêndio de gramática latina do padre António Pereira, deu logo a primeira
lição, sabida na ponta da língua, no dia 11 de Agosto. Já no meiado de Outubro,
decorridos apenas dois meses de gramática, D. Pedro estava a braços com o Eutropio
e com o Phedro. O professor extasia-se perante a inteligência do aluno e
escreve:
… afirmo que, nem quando
estudei nas aulas, nem depois que exerço o magistério, encontrei um talento tão
abalisado, uma aplicação tão constante, uma vontade tão pronta, uma índole tão dócil,
uma gravidade e modéstia que se lhe possa assemelhar, de modo que mais parecia um
homem de edade madura do que um menino de nove anos e dez meses».
In Júlio de Vilhena, D. Pedro V e o seu Reinado, DP 664 V55 610415, 4
de 07 de 1955, Academia das Ciências de Lisboa, Coimbra, Imprensa da
Universidade, 1921.
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